quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Comecei uma experiência profissional que me transformará necessariamente. Depois de três anos a ouvir falar deles, hoje vi-os. Vi-lhes as caras. Senti-lhes o cheiro. Ouvi-os sorrir. Foram abusados, maltratados e expropriados do cor de rosa da infância, mas sorriem. O cor de rosa é um direito inalienável no ser pequeno. Temos a vida toda, daí em diante, para decifrar as outras cores. Hoje, espreitei-lhes os quartos, as camas, as mochilas da escola. Hoje, senti outra vez o tic-tac. A C. e a P. sabem bem de como às vezes me canso, me saturo e maldigo a minha sina, mas passa-me. Não poderia fazer mais nada neste momento da minha vida. Não há doutoramento, não há ordenado, não há estatuto social que me alicie mais que isto. Faço exactamente o que quero. Tento perceber o que leva alguém a dizer "Cansei-me deste filho e já não o quero". Trato dos que saíram da barriga e dos que saíram da cabeça. Sim, porque estes não podem ter saído do coração. Às vezes, depois de uma manhã como a de hoje, olho para quem está com eles sempre e concluo o nosso encontro com um seco "E o que é que falhou?". Têm-me dito "A Dra. R. é ainda muito jovem. Provavelmente ainda não foi mãe. Mas o que falhou foi o coração." Tenho respondido "Sim, sou jovem. Não, ainda não fui mãe. Sim, percebi perfeitamente." Falhar o coração é conseguir medir o amor. Quando as palavras todas chegam para definir um sentimento, ele já não é inteiro. E este amor, quer-me parecer, não deve poder explicar-se. Uma jurista não pode fazer relatórios em que conclua que o que falhou foi o coração. Por isso é que, nestas coisas, não nos vale de nada ser muito mais do que pessoas... com um coração a que não apeteça falhar!

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