sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Uma história de first dates e de como eu vi a luz

Eu vi a luz. Foi a Vera que, com este post, conseguiu essa proeza. A questão de fundo é que eu vi a luz, pronto, está bem, mas, mais importante, em matéria de first dates. Estive aqui a pensar e confirma-se. Não, nunca foi no decurso de um first date que pus alguém a fazer orações ao Criador para que me tornasse sua cara metade. Concorrem para essa falha grave no currículo de Pequena R. vários factores, uns mais determinantes que outros, é certo, mas todos suficientemente exigentes para que não mais duvide da sua força. Ora bem, em primeiro lugar, os dates são coisa recente. Pelo menos, para mim. As minhas possíveis pessoas nunca surgiram de amores à primeira vista, já aqui confessei. Na realidade, tornavam-se possíveis pessoas na sequência de muitos contactos, uma profunda amizade, reuniões de amigos comuns ou intermináveis dias de trabalho fechados na mesma sala. Que me lembre, foi quase sempre assim. E mesmo quando os amigos, a determinada altura, se atreviam a sugerir a hipótese, já a criatura me tinha visto umas quantas vezes, com possibilidades não muito remotas, sobretudo no tempo da faculdade, de até ter sido em situações um tanto embaraçosas. Era raro o convívio em que não torcia um pé, toda a santa vidinha de estudante me mantive fiel à ideia de que não se vai para a discoteca catrapiscar, mas sim dançar, portanto calças de ganga, mocassins ou sapatilhas e tshirt era quase farda nas noites de quinta, and so on. Depois, quando já toda eu era uma estrelinha com transparências, até podia surgir a ideia, umas vezes com mais sucesso, outras com menos... mas assim first dates, mesmo first, não eram o meu forte. Adiante. Chegamos ali a uma fase da vida em que os nossos amigos, ou melhor, sobretudo as nossas amigas, começam a ter alguma dificuldade em nos ver sozinhas nos jantares dos dias dos namorados e tentam provar a si mesmas as excelentes capacidades de retórica com que se julgam abençoadas, catequisando-nos repetidamente para o "é que tem tudo a ver contigo... quanto mais penso, mais me convenço que ficavam mesmo bem". Também eu, rapariga dada a ter amigas, não escapei, portanto, a uma dessas tentativas. Que estava-se mesmo a ver que a coisa se dava e trréu-téu-téu pardais ao ninho, ademais eu era grande amiga dela, ele era grande amigo do recente namorado dela... Enfim, todo um cenário de fins de semana na neve a esquiarmos aos pares. Por água abaixo. Aprendi à minha custa que sem clic não me disponho sequer a tentar. E o clic, não me venham cá chatear, é uma coisa que não se explica, mas que ou se dá ou não se dá. Não se deu. Ainda alimentei, durante algum tempo, a curiosidade de saber se do lado de lá tinha havido clic ou não, mas a verdade é que a minha forma categórica de o afastar sem apelo ou agravo da lista dos possíveis determinou que não mais se falasse no assunto. Voltámos a encontrar-nos uma segunda vez. A mim, não me fez confusão nenhuma. Quando não há clic, sei bem fazer de mim. Não tenho reacções de tamanha estupidez e embaraço que me apeteça desatar a automutilar-me pelo que corre tudo bem. Passado um tempo, uma segunda história. Até havia alguma expectativa, mas clic, meus amigos, onde parava ele?! Nada. É que eu sou horrível... horrível. Porque depois fico impaciente, começo a mexer-me na cadeira e com vontade de me por a andar. É triste, mas aquilo soa-me muito a um "Próximo!" e fico que não dá para aturar. Em pouco tempo arranjo maneira de inventar compromissos e allez. Finalmente, o verdadeiro first date. Alguma ansiedade, é certo, não nego, mas nunca a paranóia que a Vera descreve. E isso, meus amigos, será por certo a primordial razão para nunca me ter chegado o "ofício" para me tornar a sua pessoa da vida. A Vera descreve todo um ritual de pré-acasalamento que até hoje me passava ao lado. Assim, percamos algum tempo numa análise mais detalhada. Eu não perdi tempo a escolher a roupa porque aceitei o first date a meio do dia e a essa hora já estava vestida e a trabalhar. Sim, podia ter vindo a casa no fim mudar de roupa. Pois, mas isso leva-nos ao segundo ponto de entronhice. Eu não fui jantar. Jantar é muito à frente. Eu não ando cá a marcar jantares sozinha com tipos que nunca vi. Portanto, a coisa ficava-se por um encontro revestido de contornos colegiais onde, estivesse calor, no máximo se teria comido um gelado, e à hora a que se sai dos empregos. Ainda de dia, em lugares públicos, com probabilidades grandes de se ter até de parar para cumprimentar alguém. Neste enfiamento (palavra curiosa no contexto), eu não vou no carro de estranhos para os sítios dos nossos primeiros encontros. Desde os 18 anos que tenho carta, desde os 22 que tenho carro próprio, sei muito bem dar com os sítios ou perguntar na rua se me perder, pelo que vou sozinha que vou muito bem. Mas não percamos de vista o ritual a que as moças, pelos vistos, se sujeitam. Quanto aos sapatos. Ora bem, ele até podia vir montado num cavalo branco e pedir-me que me ajeitasse para o receber. O mais certo, mesmo assim, é que me encontrasse apetrechada com uma sola rasteira. Se não caísse entretanto, reitero, isso seria já suficiente para lhe provar todo o meu empenho em não decepcionar. A maquilhagem. Sou uma pessoa com o estranho hábito de esfregar os olhos precisamente nos dias em que ponho rímel, pelo que, tanto quanto me recordo, o máximo que terei feito para impressionar o moço terá sido uma qualquer pintura abstracta com batom de cieiro a olhar para o retrovisor. Certo é que não terei desperdiçado esse momento para me certificar de outros preciosimos: cera nos ouvidos, alface nos dentes ou sangue numa borbulha no meio da testa com que tenha decidido brincar toda a tarde. Estávamos ali no início do buliço, pelo que admito que, na loucura, tenha ido com as unhas pintadinhas de véspera. Mas, lá está, em homenagem mais a mim que a ele, que nem sabia tão pouco que estava perto de conhecer. Finalmente, a conversa. Nunca me passou pela cabeça ser capaz de intimidar alguém. Sei pouca coisa mais ou menos para poder considerar que existe sequer esse risco. Ainda assim, no que especificamente posso puxar dos galões será em temas à partida afastados de qualquer first date. Não tenho por hábito falar de trabalho às mesas do café, salvo quando o enquadramento justifica. Um first date, a contrario, afasta. De resto, não sou especialmente boa em nada. Pensando bem, essa talvez tenha sido a grande frase do encontro. Frase genuína, verdadeira, sem qualquer manigância de falsa modéstia. Já li mais que hoje fora da minha área, já tive mais tempo para ouvir boa música, há meses que não vou ao cinema, tenho gostos particulares pelo teatro, pela dança, pela pintura, mas sou péssima a debitar nomes e fases e teorias e datas de nascimento e morte de génios. Gosto de pensar que consigo não ficar calada a discutir as tendências da moda, mas mesmo aí tenho um estilo muito próprio e algum pudor em desbaratá-lo perante estranhos. Pelo que, em suma, nada de relevante está no meu domínio para que possa intimidar seja quem for. A bem da verdade, também não teria vocação para assumir esse papel. Senhora de mim, segundo o G. detentora da capacidade de afirmação de posições de força, sou, na hora em que me conquistam, uma pálida representação da feia e má. Incapaz de calar um "gosto de ti", um "tenho saudades tuas" ou um "fala comigo", cedo facilmente à tentação de acreditar que "desta é que é". Fruto provável da escassez de clics, valorizo-os como a uma jóia rara, trato deles e sofro quando saem da minha vida. Porque o clic é, na minha história, a marca de água de uma minha pessoa possível. E uma minha pessoa possível é sempre uma pessoa especial. Merece-me o benefício de muitas dúvidas. Alcança o pódio dos meus eleitos para procurar entender. Nunca por nunca ser acredito que vá sentir a vontade de gritar um "Próximo!" a seguir a esse momento mágico e inexplicável em que o clic se dá. Em que, sem que nada o fizesse prever, as diferenças parecem um golpe de sorte e as semelhanças a prova de que estaríamos destinados a conhecer-nos. Os first dates, para mim, não são, não podem ser, um prenúncio sério de história. Preciso olhar nos olhos, sentir o desconforto de me ver invadida no mais íntimo de mim para que a história possa começar. E é, então, aí que não há volta a dar. Ou se escreve. Ou morre, lentamente, numa agonia pouco prazenteira de quem é papel que aguarda a tinta.

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