Nunca tinha pensado nisto, mas num almoço mais ou menos de trabalho com gente com quem se aprende só de estar pertinho, fiquei a saber que os níveis de litigiosidade conjugal disparam no fim das férias, ali por volta de Setembro. Entopem-se os escritórios de advogados com pedidos de divórcio, as conservatórias e os tribunais. Segundo o orador, a explicação é fácil. Pensando nela, agora, também me parece. Durante todo o ano as pessoas dormem juntas e pouco mais. Limitam-se a discutir os assuntos mais importantes, a resolver os dramas mais graves, não comungando propriamente do dia a dia de cada um. Pus-me a raciocinar e não é difícil aceitar que a máquina do quotidiano nos conduza para os "selinhos" à pressa, antes de se sair, um "também te amo, mas agora tenho de entrar na reunião" no fim dos telefonemas ou um "vai indo dormir que ainda fico a trabalhar mais um pouco" pela noite dentro. Nas férias, bem, nas férias as pessoas vivem uns dias vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas juntas, apercebem-se dos humores matinais, das crises intestinais, dos dramas básicos da vida. E o amor, diz quem sabe, sustenta-se mais nos detalhes que nos grandes feitos. Por isso, quando nos pequenos detalhes passa a haver todo um deserto de afinidade, de preocupação, de gosto, de partilha, de emoção, de curiosidade, de felicidade, é o amor que começa a ceder. Amamos os defeitos, mas precisamos de os conhecer. Ninguém gosta de más surpresas fora de horas. Dizia a pessoa com quem almocei que a frase que mais lhe repetem é "Eu não o(a) suporto!". Talvez devesse perguntar-se "O que é que mudou?". Não sei... estou só a falar para não estar calada. A bem dizer, faz-me confusão. É que me soa a um "não me lembro de te amar", como escrevi no título do post. Pior, nos dois sentidos que podemos dar à frase: já não me lembro se um dia te amei, quando, como, onde, quanto; e já não me lembro de como se faz para te amar, como se fosse um nó de gravata a que se recorre só quando o Rei faz anos e que depois custa sempre imenso a ficar direito. Custa-me que se aceite, se dê por adquirido que as pessoas matam as histórias comuns quando finalmente encontram tempo para as viver a dois. Custa-me, pronto. Dá-me um medo que me percorre o corpo todo imaginar uma coisa dessas. A tolice, a decepção, a estupidez, a incoerência, a incapacidade para manter vivo o clic. Não sei nada disso. Mas dá-me pena. E medo. Um medo terrível. E vontade de lutar contra. Deve ser a única maneira. Procurar partilhar as pequenas conquistas e frustrações. Ouvir os mais insignificantes queixumes e momentos de glória. Comemorar a mudança da cor das folhas do Outono e a flor que nasceu no vaso que se comprou no dia x, lembras-te? E depois fomos a ... E encontrámos o ... Zangámo-nos. Sim, pois, mas depois fizemos as pazes. Deter-me na paz dos beijos de bom dia e dorme bem. Olhar nos olhos, interpretar os "nada" como resposta a um "o que se passa?" e os "sim" que querem só arrumar com um "estás bem?". Decifrar os passos, o barulho do carro. Gozar serenamente os silêncios. Murmurar sem pressa os "eu também". Se não correr bem, olhem, pelo menos terei tentado. Vai doer-me na mesma. Mas não me perguntarei eternamente "E se...".
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