domingo, 31 de outubro de 2010

Não me lembro de te amar...

Nunca tinha pensado nisto, mas num almoço mais ou menos de trabalho com gente com quem se aprende só de estar pertinho, fiquei a saber que os níveis de litigiosidade conjugal disparam no fim das férias, ali por volta de Setembro. Entopem-se os escritórios de advogados com pedidos de divórcio, as conservatórias e os tribunais. Segundo o orador, a explicação é fácil. Pensando nela, agora, também me parece. Durante todo o ano as pessoas dormem juntas e pouco mais. Limitam-se a discutir os assuntos mais importantes, a resolver os dramas mais graves, não comungando propriamente do dia a dia de cada um. Pus-me a raciocinar e não é difícil aceitar que a máquina do quotidiano nos conduza para os "selinhos" à pressa, antes de se sair, um "também te amo, mas agora tenho de entrar na reunião" no fim dos telefonemas ou um "vai indo dormir que ainda fico a trabalhar mais um pouco" pela noite dentro. Nas férias, bem, nas férias as pessoas vivem uns dias vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas juntas, apercebem-se dos humores matinais, das crises intestinais, dos dramas básicos da vida. E o amor, diz quem sabe, sustenta-se mais nos detalhes que nos grandes feitos. Por isso, quando nos pequenos detalhes passa a haver todo um deserto de afinidade, de preocupação, de gosto, de partilha, de emoção, de curiosidade, de felicidade, é o amor que começa a ceder. Amamos os defeitos, mas precisamos de os conhecer. Ninguém gosta de más surpresas fora de horas. Dizia a pessoa com quem almocei que a frase que mais lhe repetem é "Eu não o(a) suporto!". Talvez devesse perguntar-se "O que é que mudou?". Não sei... estou só a falar para não estar calada. A bem dizer, faz-me confusão. É que me soa a um "não me lembro de te amar", como escrevi no título do post. Pior, nos dois sentidos que podemos dar à frase: já não me lembro se um dia te amei, quando, como, onde, quanto; e já não me lembro de como se faz para te amar, como se fosse um nó de gravata a que se recorre só quando o Rei faz anos e que depois custa sempre imenso a ficar direito. Custa-me que se aceite, se dê por adquirido que as pessoas matam as histórias comuns quando finalmente encontram tempo para as viver a dois. Custa-me, pronto. Dá-me um medo que me percorre o corpo todo imaginar uma coisa dessas. A tolice, a decepção, a estupidez, a incoerência, a incapacidade para manter vivo o clic. Não sei nada disso. Mas dá-me pena. E medo. Um medo terrível. E vontade de lutar contra. Deve ser a única maneira. Procurar partilhar as pequenas conquistas e frustrações. Ouvir os mais insignificantes queixumes e momentos de glória. Comemorar a mudança da cor das folhas do Outono e a flor que nasceu no vaso que se comprou no dia x, lembras-te? E depois fomos a ... E encontrámos o ... Zangámo-nos. Sim, pois, mas depois fizemos as pazes. Deter-me na paz dos beijos de bom dia e dorme bem. Olhar nos olhos, interpretar os "nada" como resposta a um "o que se passa?" e os "sim" que querem só arrumar com um "estás bem?". Decifrar os passos, o barulho do carro. Gozar serenamente os silêncios. Murmurar sem pressa os "eu também". Se não correr bem, olhem, pelo menos terei tentado. Vai doer-me na mesma. Mas não me perguntarei eternamente "E se...".

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