quinta-feira, 24 de maio de 2012

Das decisões. Dos tribunais. Do valor de uma sentença.

O estado português foi condenado a pagar quinze mil euros de indemnização a Baltazar Nunes, pai de Esmeralda, pelo atraso na execução da decisão de entrega da menor ao pai. Nada mais, nada menos que quatro anos e cinco meses. Não conheço todos os pormenores do processo, mas conheço alguns e, ainda que não conhecesse, este post faria sentido na minha cabeça. A verdade é que não quero particularizar a questão. Quero apenas aventá-la, dando exemplos concretos que facilitem a compreensão do mau odioso fenómeno do desrespeito pela decisão judicial. Parece-me que a desconsideração pela decisão judicial legítima e não sindicada é o primeiro passo para a descrença na justiça em geral. O valor da segurança jurídica é deitado por terra quando falar o tribunal ou chiar um carro valem a mesma coisa. E o cidadão, mesmo o cidadão condenado, não pode aceitar isto de ânimo leve, pacificamente. O último reduto de ordem está na definição do que tem de cumprir-se. A anarquia, tantas vezes confundida com a liberdade, traduz uma ausência de regras de vivência comunitária absolutamente essenciais para a manutenção da paz social. Há decisões com que não concordamos?! Pois muito bem... mobilizemos os recursos às instâncias competentes para defender a nossa posição. O que não pode aceitar-se é a solução de fazer orelhas moucas ao que nos é dito pelo poder judicial. Estamos descrentes no poder executivo, afundamo-nos em iniciativas bacocas do poder legislativo. Vamos aceitar que ao poder judicial se reserve o pantanoso lugar de mera figura decorativa?! Pergunto: em quanto poderá vir o estado português um dia a ser condenado por não fazer cumprir a decisão condenatória de Isaltino Morais, que lhe aplica pena de prisão efectiva?! Em quanto deveria o estado português ser condenado por compactuar com o lamacento processo Casa Pia, em vias de expiação do mal do crime pela lei do mais forte?! O direito, a justiça, não devem servir como forma de erguer parangonas de moralidade pública, como sacrifício exemplar de uns para educação dos demais. Nunca defendi isso, não é agora que vou passar a fazê-lo. Mas não pode, por outra banda, apequenar-se na law in the books, fazendo tábua rasa das vantagens da boa law in action. Por motivos que não vêm ao caso, mas que se prendem com o que comecei por dizer, acho que a indemnização peca por defeito. Temo, seriamente, que o inexpressivo montante não seja suficiente para despertar as consciências para esta evidência: o juiz não decide por capricho. O juiz decide com base em factos. Se a verdade do julgamento é igual à verdade real? Muitas vezes, não. Mas a alternativa está em negar, de uma vez para sempre, a noção de estado como a concebemos actualmente e regressar ao justiceiro "olho por olho, dente por dente", às divisões salomónicas, às purgas enraivecidas que legitimam a pena de morte, a mutilação, a prisão perpétua. Estão no vosso direito. É isso que querem?! Muito bem. Avisem-me só com tempo suficiente para que faça as malas. Não é nesse sítio que quero viver.

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