terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Quando menos esperares,

acontece!
Ouvi e continuo a ouvir muitas vezes esta frase mágica, carregadinha de esperança. Quando menos esperares, tens um irmão. Quando menos esperares, o teu pai melhora. Quando menos esperares, a tua mãe fica bem. Quando menos esperares, a tua avó sai do hospital. Quando menos esperares, fica tudo bem. Quando menos esperares, és assistente. Quando menos esperares, encontras o homem da tua vida. Quando menos esperares, já tens a tese pronta. Quando menos esperares, estás a dar penal. Quando menos esperares, apareço à tua porta e rapto-te para a borga. Quando menos esperares, já não o amas assim, mas de outra maneira. Quando menos esperares, ganhas mais um afilhado. Quando menos esperares, dizem-te que és especial. Quando menos esperares, isto muda. Quando menos esperares... Quando menos esperares... Nunca ninguém disse: quando menos esperares, ele leva-te a casa dele. Não leva ninguém. Nunca leva. Portanto, essa era aventura que não fazia parte dos planos de vivalma. Um "quando menos esperares", apesar da indeterminação, contém um mínimo de probabilidade, de segurança. E ninguém arriscaria uma coisa assim neste caso. Os amigos de décadas fizeram questão sempre de sublinhar que, enfim, nem valia a pena esperar, porque não ia acontecer. Uma dimensão demasiado íntima em que não são admitidas interferências de pessoa nenhuma. Ninguém. Houve, ainda assim, um tempo da minha vida em que isso era um sonho imenso por concretizar, bússola da conquista diária que apostavam que nos unia. Porque o improvável da nossa afinidade sem tamanho era já suficientemente difícil de explicar, não havia atrevimentos que a projectassem muito para diante. Um dia, cansam-se. Um dia, bem, um dia ela desiste e ele perde o encanto. Nesse dia, também ele seguirá, sem medos , um rumo que já não a inclua. Ingenuidade grande a de quem não se rendeu, desde os primeiros tempos, ao que nascia sem pressa, contestado muitas vezes ao limite. Sem os repentes próprios das paixões que podem sumir-se sem grandes dramas, o que nos unia, cada vez mais juntinhos, era uma coisa feita de muito mais que desejo, paixão ou gostares. Passou as fases todas dos amores que inundam o coração e pintam de cores a vida das almas, suportou as dores indescritíveis do infortúnio dos sonhos de um, desencontrados do cansaço de sonhar do outro. E resistiu, sempre. Sem beliscões no essencial. Pelo contrário. Crescendo nessa incontornável marca das pessoas da nossa vida que é a confiança, a confiança para pedir soluções, chorar no ombro ou mandar o mundo inteiro à fava. Aquela confiança que vê a sensatez do conselho mais maduro escondido numa ironia quantas vezes mal julgada de bobo da corte. Foi isso que nos permitiu ir à bica depois de uma conversa tão difícil que houve meses inteiros depois dela em que nada fez sentido. Só isso justifica que há quase um ano tenhamos estado juntos antes de ser preciso tomar uma decisão que podia ter mudado a minha vida para sempre. É isso que torna compreensíveis as saudades que ficam sempre, mesmo quando aquele amor já se foi. Lentamente. Muito lentamente. Um dia, quando menos se esperava, o que estava no lugar dele não era ele, nem um vazio, mas uma imensidão de paz por ter sido capaz de o ter mantido na minha vida contra todos os prognósticos. Sem mágoa, sem trauma, absolutamente convicta de ter deixado intacta a minha capacidade de amar, apenas mais experimentada na arte de só fazer os caminhos que valham a pena, com as pessoas que mereçam muito, aquelas que não estejam para ver se dá, mas que se empenhem em que dê. E, quando menos esperamos, há naturalidade em tudo o que se faz. Os convites, as piadas, os mimos, os toques, a alegria pelo encontro, a arreliação pelo que corre menos bem ao outro. Um dia, um dia ganha sentido o tempo que se investiu a entender o que, para quem apenas vê com os olhos, não tem entendimento possível. E, depois, quando menos esperava, levou-me a casa. Sem refúgios, sem perguntas, sem medo, sem pressa... E contou-me a história de cada objecto. E traçou destinos a cada vontade por concretizar. E levou-me a ver outras paragens. E mostrou-me cada peça mais especial. E ofereceu-me uma delas. Assim, sem razão. Porque sim. Então sentou-me e sentou-se e percorreu comigo os caminhos do passado em que não sonhávamos que um dia nos encontraríamos. Abriu-me a janela da memória das pessoas mais importantes da sua vida. Comoveu-se. Sem pressa. Foi sem pressa nenhuma que me escancarou as portas de casa e da parte da vida em que não se entra. Tudo... tudinho... quando eu menos esperava.

5 comentários:

  1. quando menos esperares, o lugar dele aparecerá no rosto do outro, velas acesas de um mesmo madrigal...
    Amei o texto...

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  2. Belo texto, R...
    Adorei....
    Sou das que acha que as grandes paixões, quando acabam, ficam sempre no limbo do "não resolvido" para a toda a vida e massacram-nos, massacram-nos até "ao apagar da velha chama"...

    Bj.
    C(en)

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  3. Estou como a C(en), já sabes. Mas também me mostraste que há palcos onde a história não segue os caminhos da gente comum. Onde a história nos mostra que há fins alternativos... E bonitos!

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  4. Preciso escrever isto aqui... hoje e agora: apagou-se a velha chama :)

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  5. Agora fiquei à nora... Que velha chama?

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