Os válidos são válidos porque sim. Mistérios insondáveis. Os válidos caíram em graça, muito embora raramente sejam engraçados. Os válidos bajulam e armam-se ao pingarelho dia sim, dia também. Os válidos fazem de conta que são íntimos de toda a gente, sobretudo de toda a gente que está acima deles na hierarquia. Os válidos têm sempre uma prima de uma amiga de uma tia da vizinha ou o raio que os parta a todos que conheceu o chefe em bebé ou, no máximo, na idade escolar. Portanto, os válidos falam do antigamente como se lá tivessem vivido. Os válidos normalmente querem ser finos, mas acontece amiúde que metem o pé na argola, dizendo pronto em reuniões formais, tratando por tu pessoas que nunca viram ou, no extremo oposto, por você colegas de curso que em tempos encontravam no buraco negro e uma ou duas vezes tiveram a almoçar na mesma mesa dos grelhados. Os válidos fazem questão de dizer que não marram, que a sua brilhante carreira académica se deve a... pois... não dizem. À luz que baixa nuns e abandona outros, digo eu. Os válidos usam por vezes nomes profissionais onde mais parece que alugaram apelidos a toda a gente lá da rua em que moram. Os válidos nunca querem fazer trabalhos chatos. Porque os válidos, ora bolas, são válidos. Os válidos mandam. Acontece que, quase sempre, os válidos mandam mal. Porque, lá dizia a minha avó de baixo, só sabe mandar quem sabe fazer. Os válidos gostam mesmo é de supervisionar e, preferencialmente, pôr o nome no trabalho que os supervisionados produzam. Os válidos nunca elogiam ninguém. Ou melhor, às vezes elogiam, mas com ar de gozo, o que faz crescer no destinatário do elogio ganas fortíssimas de ir às trombas do válido. Mas não, porque o válido é o válido e o válido dá ares de poder lixar a vida ao que não é válido com um estalar de dedos. O válido nunca está bem com a roupa que tem, quer sempre mais. Mas o válido nunca fala claro. O válido manda recado, insinua, dá chás, manda bocas. Apetece muito bater com a cara do válido no asfalto quando o válido, vê-se mesmo, está a mandar para o ar, com um sorriso, verdadeiras bombas contra o não válido. O que o válido diz, quase sempre, é lei. O válido nunca falha. Quando muito, o válido anda cansado e não houve sensibilidade para se perceber que se andava a exigir demais do válido. Mas um dia, o válido apanha o não válido em dia não, com a mosca, vá, e ouve tudo o que quer e tudo o que não quer. Um dia, o válido só não tem de andar a apanhar dentinhos branco reluzente do chão porque o não válido nem está para se abalar a mandar-lhe um murro. Porque um dia o não válido farta-se, cansa-se. Um dia o não válido define as regras. Não define todas de uma vez, que ninguém tem tamanha desfaçatez, mas vai definindo o essencial. Um dia o não válido diz que ou é assim ou então vão todos à merda. E, nesse dia, normalmente, o válido enfia o rabinho entre as pernas e vai à vida dele, sob pena de ter de começar a vergar a mola e se descobrir que, afinal, o válido era um mito.
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