Se é verdade que "cada um sai-se com o que tem e ninguém se pode rir", não é menos verdade que há sempre, para quase toda a gente, os seus projectos a solo e os projectos comuns. Podia falar de muitos projectos a solo e de outros tantos projectos comuns, mas a lua já vai alta e chega-me lembrar o que investimos, solitariamente, em projectos como uma carreira profissional. Consoante a nossa opção, abdicamos de muitas coisas, passamos ao lado, vesgos, de muitas oportunidades de "dar o fora", coleccionamos angústias sobre se aquele será, mesmo, o melhor caminho para nós... eu sei lá... o diabo a sete. Na investigação, por exemplo, tornamo-nos seres de rotinas muito solitárias, com um ritmo muito próprio e dificuldades em fazer o Mundo entender que, naquele dia, àquela hora, ter apagado aquelas 5 linhas é mesmo uma coisa capaz de nos arrumar com a auto-estima. Todos os trabalhos têm as suas dificuldades. No nosso, tenho para mim, esta é a pior: explicar o inexplicável, a sensação absurda de constante dívida a um projecto que às vezes não passa de ideia, a piração doentia de quem, de folga, de férias, a dormir, pode lembrar-se de uma coisa tão importante que é preciso anotar e, por isso, nunca descansa mesmo. O pior desta vida, tenho para mim, é a consciência da necessidade de um fim que parece que nunca vamos alcançar e que só alcançamos quando não dá mesmo mais. Isto, por outro lado, também pode ser o melhor. A permanente descoberta, o afinamento de uma ideia, a insatisfação eterna, a busca interminável. São visões diferentes do mesmo fenómeno. Este, digo-vos, parece-me bem um projecto a sós. Porque, rodeados de gente empenhada, ainda assim, aquele projecto não anda sem nós e só anda connosco. Pode falhar-nos quase tudo... nós é que não.
Depois há os projectos comuns. Dentro destes, para o que me interessa para este post, os projectos a dois. Ter filhos é um desses. Talvez o maior. Nada contra as maneiras diversas de ver este projecto, longe disso. Falo de mim. Só. Sem qualquer pretensão ou oportunidade em generalizações. Que fique claro. Posto isto... encontrar um pai/mãe para os filhos parece-me das mais grandiosas tarefas do ser humano. É a responsabilidade partilhada, para o melhor e para o pior. A incapacidade de controlar os 100% de maturação daquela relação. A certeza que, se fizermos tudo, mesmo tudo, não chega. Porque há aquilo a que se chama o ponto óptimo de equilíbrio necessário: aquele exacto espaço e tempo em que ninguém mede nada, ninguém cobra nada, está tudo certo por natureza. Isto, digo eu que sou leiga, não se alcança de qualquer maneira. O que não significa que dê trabalho. Não se encontra porque se procurou. Encontra-se simplesmente porque... somos encontrados. É o passo dois da empreitada de ser feliz com alguém que também pensou em passos para além do um. E com ser feliz com alguém, aqui, não me venham chatear, quero significar viver um amor, desses que não são de pais, nem de mães, nem de filhos, nem de irmãos, nem de amigos. Desses que são disso tudo e do que falta ao todo que isso tudo pode ser. Desses em que faz sentido que até os projectos a solo se acomodem na cumplicidade de uma gestão de afectos maiores por projectos comuns. É de ser feliz assim que eu estou a falar. Se há por aí quem queira ser feliz doutra maneira, força! Mas agora estou eu a falar!
Sublinhe-se, que não é de mais, que há quem tenha só projectos a solo, quem tenha só projectos comuns e até, estou em crer, quem não tenha projectos. Mas isso, está-se mesmo a ver, não quer dizer nada. Não há lei que mude a singularidade de cada um cunhar os sonhos da vida como bem lhe aprouver, não há guarda, nem retirada, nem ameaça, nem temporal, nem maleita ou pior desgraça que arrase um sonho só porque sim. Um sonho morre quando deixa de ser sonhado. Só assim. E podemos andar todos meio mastigados, quase escravos do projecto eternamente eleito para maior de acordar vivo no dia a seguir, que o resto há-de vir depois... que, mesmo assim, se houver um sonho, há uma luta por travar. Sem armas. Que é como se alcançam as maiores conquistas e se perdem os maiores tesouros.
Como diria o homem que só sonhou a solo, hoje à tarde,
"Eu tinha tudo isso
E era sozinho
Havia um vazio
Faltava alguém
Mas... quem?"
É que há sempre, para quem sempre quis sonhar os sonhos todos, um sonho que só pode ser a dois. Não morreu. Não está esquecido. Está apenas à procura do caminho.
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