terça-feira, 23 de novembro de 2010

O discurso do privilégio

cansa-me a beleza!

A coisa do "porque vocês agora têm tudo" e "antigamente uma pessoa andava com os mesmos sapatos todo o ano" e "casávamos mais cedo, tínhamos filhos mais cedo" e "a responsabilidade era outra... uma pessoa ainda novita já com o encargo de uma família às costas"... Fico cansada!

Explico.

Está tudo muito certo, é tudo muito lindo, nós temos tudo e mais alguma coisa, usamos internet para falar com as pessoas, viajamos mais e sem ser a salto, passamos a vida (dizem) em concertos e festas e jantaradas e teatros e musicais e massagens e compras e cinema... Ok. E temos carro. E vamos morar sozinhos, armados ao pingarelho. Não precisamos cá de anilhas para governar a vida. Vamos para todo o lado sozinhos. Abraçamos os amigos do sexo oposto com descaramento atroz. Tudo certo. A nossa vida é a pura da loucura. Somos uns felizardos. A grande maioria não soube nunca o que foi passar fome, frio, enfim. Continuo a acenar que sim com a cabeça, acreditem. Temos, muito mais que antigamente, a mania de estudar ou, pelo menos, de fazer que estudamos. Sob o pretexto de uma carreira em construção, adiamos a vida pessoal e já olhamos um bocado de lado quem casa aos dezasseis e aos vinte já tem uma ninhada de filhos. Compramos batatas no supermercado e, pior que isso, às vezes compramos comida pré-feita no supermercado. Vemos pouca televisão, ligamos nada a novelas. Diz quem sabe que só gostamos e queremos o que é bom. Tudo certo. Uns privilegiados. Tudo certo. Menos uma coisinha, um pormenor, uma nuance, uma nica.

Estabilidade.

Estabilidade no emprego é uma miragem para a nossa geração. Ninguém está seguro em carreiras até ao fim da vida. Ninguém nos garante reforma. Estudar não é sinónimo de muito mais que isso: estudar. Pagamos um preço caro por uma vida melhorzinha. É uma corrida e uma atracção fatal por tudo o que nos garanta que se podem esticar as 24h do dia. Portanto, não me chaguem a cabeça. Não, não me apetece o antigamente. Mas isto também não é o fim do mundo em cuecas de facilidade, compreendem?! Vergamos a mola, damos o litro, não nos acomodamos quando entramos no "quadro da empresa", temos casa com lareira e um carro que anda. Capito?! Não somos uns bandalhos a viver à sombra da bananeira, uns preguiçosos, uns manientos cheios de tescarias, não temos todos uma puta de uma panca na cabeça que só queremos é copos. A malta trabalha. E até tenta equilibrar isso com uma vida pessoal. Mas, de facto, não, não vai aos bailes ao domingo à tarde, nem desespera se não a pedem em casamento antes da maioridade.

1 comentário:

  1. E sai uma grande salva de palmas para R. por este testemunho que é de todos os do nosso tempo! :D Gostei muito, concordo mesmo muito com o que escreveste!

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