quarta-feira, 7 de abril de 2010

A realidade e a ficção

Numa pausa para descansar os dedos, enquanto imprimo uma lista de acórdãos sobre uma matéria de que gosto tanto como de óleo de fígado de bacalhau, pus água a aquecer, subi a uma cadeira para ver a parte de cima da despensa e dei graças a Deus por se ter lembrado de me oferecer um frasco de mel. Estou com uma voz que pode até ser sexy, que é, mas que vem, em pacote promocional, acompanhada de muita tosse, muito pingo ao nariz e alguma febre. O mais irritante, ainda assim, é mesmo a tosse. Sabem aquela tosse que já faz doer o peito?! Que, enquanto tossem, parece que o coração vos vai saltar boca fora?! É assim, esta minha tosse... Não tinha folhinhas de chá para o fazer coar, que não estou em casa da mamã, mas senti-me feliz por ainda me restar alguma sanidade mental na última viagem ao supermercado. Afinal, não investi só em rooibos, brancos, frutados, com pétalas, canela e pimentas. Trouxe uma embalagem de cidreira, qual amiga das horas más. E então tirei uma chávena do armário, pus lá dentro a minha cidreira e depois duas, sim, duas, colheres de chá de mel. E mexi muito tempo, enquanto arrastei o pijama que não tirei o dia todo, sentada a trabalhar desde as oito e qualquer coisa aqui na sala. E depois sentei-me no sofá, entre mantas e almofadas e livros e fotocópias e canetas, afastei o computador e fez-se silêncio. A impressora tinha acabado a sua tarefa. Só a colher a bater na chávena ia interrompendo o meu silêncio. E pensei no há pedacito. E pensei que é mesmo assim, não tem jeito nem maneira. Antes de voltar ao trabalho, acendi a televisão. Carreguei no 3 do comando. E ouvi esta conversa, que é ficção mas podia bem ser realidade.

Uma: Vocês têm de resolver isso?
Outra: Como? Ele é um homem profundamente traumatizado e enquanto não se tratar não vai haver lugar para mim. Eu nem sei se algum dia vai haver.

E vi-as seguir para tomar um chá e apercebi-me que se mudou de cena. E desliguei. Porque me assusto quando a ficção se cola assim à realidade.

Já bebi o chá todo. Tenho sabor de mel dos lábios até dentro do peito, mais ou menos até onde me doía quando a tosse vinha e parecia que o coração se soltava.

Agora vou trabalhar. Porque alguém tem de o fazer nesta família da ficção.

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