quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Entendi-te!

Tendo em conta que:
- entrei na escola com 5 anos;
- passei sempre;
- acabei o secundário com excelente média;
- entrei na faculdade que queria, no curso que pus em primeiro lugar;
- estudei seis meses do último ano da faculdade fora e vim com muito boas notas;
- acabei o curso com 22 anos;
- ah... e com boa média;
- fiz o estágio todo direitinho;
- recebi o primeiro cheque por uma diligência e sei que foi de €74,17. Sim, não me esqueci de nenhum 0;
- fiz a agregação e até dispensei a oral (aquela coisa das boas notas, outra vez!);
- trabalho desde 2006, ininterruptamente, em tanta coisa diferente que nem vale a pena começar a enumerar (mas até já fui advogada de um clube de futebol, só para terem uma ideia);
- fiz uma linda tese e até me deram o veredicto de ser uma mestre muita boa (atenção: antes de Bolonha, não haja confusões!);
- acumulo três empregos remunerados e não... oh... a sério... não estou rica. Aliás, quando na sexta feira me deram de orçamento da oficina 470 euros, eu só não desmaiei porque me lembrei que ainda tinha de pagar o seguro do carro, pela módica quantia de 511 euros. E pronto, não gosto de virar os anos com dívidas, morrer também não estava nos meus planos com essas contas pendentes. Mas sim, confesso, ando aqui que não me aturo e ainda tenho de ver se me dou um swatch tão lindinho daqueles das duas voltinhas e o vestido rosa pálido que vesti na Tintoretto. E umas Ras de Primavera;
- num dos meus empregos tenho contrato anual, benza-o Deus. Noutro, tenho uma bolsa, anual, que me tem pregado sustos de morte (quase a vi por um canudo no mês passado). Noutro, o contrato é apenas nos primeiros semestres lectivos, embora em termos de trabalho aquilo se arraste até Maio (Podem chamar-me tótó!);
- com os artigos (que lindos) ganho separatas para dar aos amigos, adenairadas com autógrafos personalizados;
- com as conferências ganho flores e medalhas/compotas/queijos/canetas/latinhas/porta chaves/doces... e uma felicidade imensa, por isso, por aqui não me queixo (às vezes ganho uma viagem e uma estadia assim a corpo de rainha e então aí é verem-me rebentar de alegria! Gosto mesmo!);
- nas aulas avulsas até se ganha bem, mas havia de ter ao menos duas por mês para folgar a bolsa;
- vivo sozinha e pago as minhas contas de água, gás, luz, internet, meo, telefone;
- perco-me em prendas porque (mesmo, não é género, é mesmo) adoro receber, mas acho que ainda gosto mais de dar. No Natal entro anualmente em recessão económica;
- tenho mais despesas fixas com: um plano poupança, uma contribuição para quando for velhinha, quotas da Ordem (tenho de acabar com isto, eu não exerço!), telemóveis, depilação definitiva, depilação com cera, massagem do mês, cabeleireiro, pelo menos, de três em três meses (já lá vai o tempo de todas as semanas), manicure e pedicure quando é preciso, enfim...
- desde há um ano, quando vim morar para cá, que poupo em gasóleo a quantia que quase me paga a renda... mas mesmo assim o meu carro não anda a água da fonte;
- vou ao teatro de vez em quando, compro livros por compulsão, quero sempre mais um cd, se não tivesse nada que fazer todos os dias ia ao cinema e aprecio uma viagenzinha de quando em vez, nem que seja cá dentro. E já dei para o peditório do campismo. Sou rapariga de hotel (não ler motel, mas hotel);
- tenho 5 afilhados, um irmão mais novo 11 anos e que só gosta de coisas da Pepe Jeans para cima, e uma catrefada de sobrinhos do coração;
- reúno frequentemente com os amigos, motivo pelo qual me esforço para que em minha casa não faltem mimos, como biscoitos caseiros, scones quentinhos, doces caseiros, bolachinhas mini-mini ou... pronto, quando ando sem tempo até para dormir, broa de milho amarelo para torrar;
- hei-de, diga-se e sublinhe-se, acabar até ao penúltimo mês de 2014 uma tese de doutoramento, dê lá por onde der, podendo, contudo, suceder que dê para mais tolinha até lá. Nos entretanto, fui uma das lindas três pessoínhas a ser avaliada com excelente no ano curricular;

e...

ando muitas vezes à rasca, transpiro frio de cada vez que penso em comprar casa, porque nunca sei quando metade disto não vai pelo ralo. Não sou espectacular, nadinha mesmo, mas também não sou assim uma tipa que se tenha afeiçoado a dormir até ao meio dia (o que eu gostava...) e a enfardar novelas todódia... pelo que... meus caros... percebo tão bem as pessoas da reportagem e posso tão pouco aceitar o balofo argumento do "é pegar o destino nas vossas mãos". Tá. Já estamos a correr atrás dele. Mas ele tem as pernas maiores e eu só meço um metro e cinquenta e sete mal medidos. Lérias, pá!

2 comentários:

  1. Se tivesses facebook vias o post q escrevi sobre a reportagem à pouquinho, como não tens vou trascrevê-lo para aqui...
    Finalmente 1 canal dedica o seu tempo de antena a 1 tema preocupante. Chamam-lhe "Geração à rasca" ou "Geração Deolinda" quem sabe inspirados na letra da música que tão bem representa a situação actual de todos nós, jovens estudantes a quem o futuro é garantidamente incerto! Espero q esta reportagem possa abrir os olhos aos senhores q tem o poder, se ñ for para melhorar a situação ao menos q sirva para ñ a piorarem!
    "

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  2. Bem visto! É que tu, como tantos outros não acabaram o curso e cruzaram os braços à espera do emprego que sempre quiseram.
    Como tantos outros que começaram a fazer coisas profissionais antes de terminar a licenciatura, fizeram estágios não remunerados, dedicaram-se a aprender e a crescer, começaram a trabalhar (ou a pagar para trabalhar) enquanto se licenciavam ou adquiriam a pós graduação, trabalharam que se desunharam a recibos verdes por tuta e meia, se especializaram, que sempre quiseram ir mais além e pensar "out of the box" e esses menina R., no máximo conseguiram um ordenadozinho instável que não lhes permite ter planos poupança reforma, pagar o seguro do carro sem pedir aos pais emprestado, ir ao cinema, levar a namorada à praia da Adraga, não sabem quando têm de trabalhar aos fins-de-semana, é assumido que por trabalharem no sector privado devem trabalhar pelo menos 9 horas por dia e são explorados até à ponta do cabelo e só não lhes ficam com as unhas porque precisam dos dedos para teclar...

    Tudo isso e os jornalistas que insistem em tratar um homem de 23 anos como um bébé, em ter boas ideias de trazer este assunto à baila (só porque nós o tornámos mediático) mas não vi este lado da exploração abordado...

    Tudo isso e aos professores doutores terem concentrado a abordagem no quanto a sua escola de engenheiros mecânicos é tão boa e tem empregabilidade de 100%, ou os senhores professores doutores que se focaram na inércia dos licenciados e nas expectativas que hoje se tem quanto a ter um emprego e a ter um nível de vida acima da média... tudo isso e esqueceram-se dos que se matam a trabalhar e sacrificam a sua saúde e vida pessoal e apenas queriam ter algum reconhecimento!

    Só um desabafo. Ponto!

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