São os dois habitantes caninos cá de casa. O Pongo é um dálmata elegante e bem parecido, merecedor de todas as festas e mimos dos convivas. O Tim um rafeiro que por teimosia a criança da casa quis ter. Vivem juntos. Quando estão presos, estão presos juntos. Quando correm, correm juntos. Quando lhes damos a ração, eles estão juntos: só que o Pongo come e o Tim aprecia. Se o Tim se aproxima para comer antes que o Pongo se considere absolutamente satisfeito, leva uma patada, ou uma dentada, ou um ladrar doentio aos ouvidos, que deve quase furar-lhe o tímpano. E então eu enervo-me, e dou-lhe uma palmada. E sabem o que acontece?! O Tim vai lá lambê-lo, no sítio do dói-dói, enquanto o Pongo prossegue calmamente a sua refeição e quase são urros os sons do estômago do desgraçado Tim. Os meus cães são como muitas pessoas. O Pongo como aquelas que são bonitas, elegantes, espertas, gabadas por todos, mas que no fundo não mereciam nada daquilo. É um convencido de marca. Não tem coração. É mau. Só quando está doente é que deixa de ladrar para começar a ganir. E o primeiro a acudir-lhe é o Tim. O Tim é um gajo porreiro, boa alma, um coração de manteiga. Dá a outra face. Meio feioso, com um pêlo sem jeiteira nenhuma, que nem côr definida tem e cresce ao desbarato. É atarracado, corre pouco porque tem umas patitas curtas. O Pongo é o lord, e a convivência fez com que o Tim não se importasse de fazer de lacaio. Mas o Tim não ladra, nem morde. Acho que lhe marejam os olhos algumas lágrimas quando muito raramente recebe uma festa. Sabe que só lha dão depois de terem esgotado as mais fofinhas com o outro, mas não reclama. Agradece tudo o que tem. E ainda reparte. O Pongo até sente como insulto se demoramos um bocadinho mais no banho do Tim. Que ultrage, perder tempo com o rafeiro. Por isso é que a cada dia que passa eu gosto mais do Tim e vou ganhando uma osga maior ao Pongo. Estúpido. Insensível. Mal agradecido. Um tipo que tinha tudo, tudo, para ser perfeito, mas só o é à primeira vista. Vai-se a ver e é um escroque. Na vida há gente assim... mas nunca me pareceu tão óbvio que o que conta é o que vai lá dentro como quando hoje voltei a ver o cão mais giro do Mundo a morder o pescoço do feioso que dois minutos antes lhe tinha lambido o pêlo.
(16 de Novembro de 2008)
Mau, mesmo, é quando a gente se deixa fascinar pelos "pongos" desta vida.
ResponderEliminarBj.
C(EN)