terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Transparências
Todos nós, ou pelo menos muitos de nós, ou... pelo menos eu, temos certa a capacidade de escurecer, de fintar a transparência e com ela a nós mesmos. Todos nós, ou pelo menos eu, temos uma vontade grande de nos transformarmos em pessoas melhores e a perfeita consciência que ser transparente é meio caminho andado para isso. Sobretudo se, lá no fundo, não nos considerarmos tão fracos seres humanos que não possam ser vistos à transparência. E então passamos por fases na vida em que escolhemos aperfeiçoar a arte de sermos melhores e de nos mostrarmos assim melhores aos outros. E um dia começamos a acreditar que afinal somos mesmo transparentes e não há volta a dar. Quem nos conheça bem saberá interpretar-nos pelo andar ou pelo tom com que dissermos "bom dia". Por isso, quando, noutro dia da nossa vida, parecer que dávamos tudo para não sermos assim tão transparentes, começamos um processo inverso de experimentar feições de cera. E à custa de muito tentarmos, às vezes conseguimos mesmo embrutecer a nossa transparência. E se formos determinados, um dia seremos capazes de fingir tão bem que até a nós parecerá obvio o estado todo ao contrário do que sentimos cá dentro. Acontece, porém, que ninguém remedeia um passo destes sem marcas. Ninguém passa imune pelos dias de vestir a pele com cheiro a mofo. Ninguém que um dia foi claro como a luz e suave como o amanhecer, passa incólume por um anoitecer tão brusco. Ninguém, ou pelo menos eu, deixa de ser o que conquistou a pulso. Mesmo que a clara ilusão não tenha nunca passado disso, quem passa por ela sabe bem que transformações opera. Por isso é que podemos até sorrir; podemos até dar uma sonora gargalhada; podemos até trabalhar; podemos até comer; podemos até ir à bica; podemos até dançar; podemos até retoiçar; podemos até parecer que vivemos; mas a cada passo há um som de chocalho que nos lembra que cá dentro há cacos. Quando nos virem bem, não acreditem sempre no que os olhos veem. Porque ser crescido é ser assim meio torto na transparência. É cantar para esconder os sons chocalhentos que os cacos todos juntos cantam em nós. É equilibrar o que se partiu e fingir que está tudo bem. Mesmo que para isso se morda o lábio e quando virarem costas caia tudo outra vez. E os cacos chocalhem. E não haja cola que os cole. Nem nada que os cale.
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