sábado, 17 de janeiro de 2009
O caso da menina que mudou de nome
Há equívocos que podem ser perigosos se os alimentarmos devidamente. Este caso não passou, ao longo dos últimos anos, disso mesmo - uma sucessão de equívocos muito bem alicerçados. Apesar de tudo, é possível, agora que se descortina um ponto final na história, opinar sobre ela com a frieza que a distância, o tempo e um conhecimento de causa que não é nulo nos permitem. A questão é mal definida e, consequentemente, defendida, se nela depositarmos calores desprovidos da justiça de pesar os interesses em confronto. Claro que não há só um lado da história. Por mais visível que um dos lados de uma história se torne, não pode cegar-nos e bastar-nos. Haverá, sabe-se lá onde, um lado outro para ser ouvido e, postos assim nos pratos da balança, esses lados hão-de indicar-nos para que lado penderá uma justiça com todos os olhos abertos. Amar incondicionalmente exige a capacidade de respeitar a diferença, de conceber o outro na sua essência sem querer aniquilar a sua capacidade de querer. Também as crianças querem. E quando não, então cabe aos adultos operar um juízo de prognose e agir mais de acordo com aquilo que elas em consciência quereriam que com aquilo que eles querem. Fazer o melhor por um filho não é confundível com fazer o melhor por nós com o nosso filho. Não me atrevo a contestar o desvelo que acreditaram ter despendido ao longo dos últimos anos com uma filha do coração. Não me cabe esse papel. Não caberá a ninguém. Amar é um acto que não se ensina. Apesar disso, a verdade é que não podem restar dúvidas quanto ao modo torto de conduzir uma vida alheia que nos cai nos braços mas não é nossa. A vontade, o querer, a realização de cada um, e até a forma de amar o outro, têm de encontrar equilíbrio na vontade, no querer, na realização do outro, e na sua forma de amar. Amar um filho desejado e tido exige-nos apenas isso, amá-lo. Não é importante nada mais que isso. Não há qualquer acerto em fazê-lo coisa própria nossa. Porque o filho que vem de mim é já dele mesmo no momento em que respira e enfrenta o Mundo pela primeira vez. Amar o filho que outro não quis amar dá-me a liberdade de o amar e de o trazer ao peito, mas não mo transfere em propriedade. Ele resistiu ao desamor de uns pais... não o obriguemos a ter de resistir ao nosso amor de sufoco. Amar um filho que não é nosso de maneira nenhuma é o acto maior de amar. É amar o outro na sua expressão mais absoluta de entrega. Amar os filhos dos outros e deixá-los lá. Por muito amor que lhe possamos dar, substraí-lo de outro amor não tem preço. O acto de amar não pode exigir que se exclua outro amante. Eu amo se souber amar a par de todos os que já te amam. Se, para te amar, precisar de atear fogo nos teus amores, o meu amor não tem espaço. Roubou o espaço dos outros. Não é sequer desculpa um sentimento mais ou menos nobre de auxílio que nos inunde. Porque ajudar não é tirar. Ajudar é acrescentar. E é deixar partir na hora certa. Se eu encontrar o teu filho na rua e ele me parecer o mais abandonado dos filhos, ainda assim eu não poderei trazê-lo para minha casa e apagar-te da vida dele. Sabes porquê? Porque não me terá sido avisado fazê-lo sem antes averiguar se o atiraste fora e lhe negaste o teu amor, ou se te perdeste dele e só isso. Porque há curvas em que nos perdemos uns dos outros. E isso não significa que tenhamos dado corridas para fugirmos do que ficou para trás. Ninguém garante que ao virar da curva tu não estejas mais aflito à minha espera do que eu à tua procura. Amar é coisa difícil de dosear. Mas quer-me parecer que andará no bom caminho se permitir que me ames sem reservas. Se ao amar-te te fizer sentir livre. Porque se tu não és livre, tu não és teu. E se tu não és teu, tu és nada. E se tu és nada, eu não te amo. Porque é difícil amar nada. Ou quase impossível.
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