quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Das pessoas que não ficam para sempre

Eu tenho uma amiga que há pouco mais de um ano ainda dizia que o que mais queria era reformar-se. Reformou-se. Meses depois soube que estava doente. Tão doente. Temos acompanhado o estrago de uma doença implacável numa pessoa que ainda tinha tanto para fazer. Há dois meses, pouco depois de sabermos que era mesmo grave, ainda nos acompanhou para um chá no Chá das Cinco. Ainda comeu bolo e tudo. E daí em diante ainda nos encontrámos muitas vezes, ainda nos devolveu um sorriso grande aos nossos "Vai correr tudo bem". Desde há três semanas que só podemos visitá-la em casa, que deixou de poder receber-nos sozinha, que não aprecia doces, que até os chás bebe porque é obrigada, que nos olha com a expressão de quem pede ajuda e sabe que não podemos ajudá-la, que nos devolve olhos cheios de lágrimas aos nossos "Vai correr tudo bem". Na sexta feira, voltámos lá. Não levei provas para corrigir à beira da cama em que não consegue descansar, nem tivemos coragem para voltar a dizer-lhe "Vai correr tudo bem". Das últimas vezes, tem-nos agradecido a amizade, mais por estar certa de não ter já tempo de a retribuir do que por pensar que a amizade é uma coisa que se agradece. Ontem foi internada e hoje deixou de receber visitas. Tem uma filha mais nova que eu. Estava a meio caminho de reconstruir a casa antiga em que nascera para aí recuperar dos quase quarenta anos de trabalho, plantando o quintal e o jardim. Mas um dia disseram-lhe que tinha cancro e na semana passada, quando dizia a quem lhe acompanha as angústias que, fisicamente, de facto, estava ainda mais debilitada, mas animicamente me parecia melhor, devia ter acreditado quando, com a mão no meu ombro, ele me disse que, no fim da vida, as pessoas acabam por escolher viver o mais felizes possível os poucos dias que lhe restam. Não merecia. E eu sinto uma impotência do tamanho do mundo quando vejo, por entre os dedos, fugirem-me as minhas pessoas e, pior ainda, quando as perco ainda em vida, quando, por medo, teimosia, orgulho ou apatia calo, uma e outra vez, o "esquece tudo e fica comigo" que tantas vezes só se torna audível quando fechei a porta ou desliguei o telefone.

2 comentários:

  1. Identifiquei-me tanto com isto! E o que me agonia mais é não haver uma fórmula para saber lidar com as coisas, para o nosso bem e para o bem dos outros!:(

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  2. O cancro é das piores doenças que podem haver. É muito triste ver uma pessoa a definhar na nossa frente. O máximo que podemos fazer é dar o nosso apoio. Sinto muito pela sua amiga...

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