quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Do fundo do coração*

O T. é um homem brilhante. Inteligente, divertido, bonito, charmoso, educado, culto, o T. é o marido de sonho e o melhor pai que se pode desejar para os filhos. Conheço o T. desde que nasci. O T. namorou a M. desde sempre. Quando o coração deixa de ser só um desenho para nos fazer doer a ausência de alguém, o T. apaixonou-se pela M. Namoraram muito, com direito a todos os beijos, todos os abraços, todos os mimos, todas as compreensões. Viveram juntos anos de amadurecimento. Cresceram juntos. Um dia, casaram. Foi o casamento mais único a que assisti até hoje. Sem dúvida. Num despertar de Setembro, fez-me acrescentar o mês a Junho para os de perfeição maior no eco do sim. Uma tarde amena, rodeados só dos amigos que torcem com os dedos todos pela felicidade dos dois. O T. e a M. podiam ser (e eram) citados como exemplo. Conhecê-los permitia sonhar com uma juventude que morre e mata por amor, que avança com passo firme pela justiça de um nós que é o que faz todo o sentido. O T. e a M. anunciaram um dia que iam ter um bébé. Viveram a gravidez com os olhos marejados de brilho. Emocionaram os mais amigos com um entrelaçar eterno de mãos que se compunha perfeito com o choro de um pequeno.
Um dia, o A. comunicou ao Mundo, escancarando o que é mais de dentro que o próprio sentir, que era o pai do filho da M.
Descobriu-se cruelmente no Mundo que o filho da M. não era filho do T. E nós, os todos do T. e só por alma da M., ficámos incrédulos muito tempo.
O T. sumiu. Enfiou o currículo brilhante, as camisas, os vela, mais uma coisas e os cacos numa mala e voou. Esteve dois anos sem falar com ninguém que assistira ao seu casamento. Nas festas, não falávamos dele, com medo de pressentir que já não fosse... que nunca voltasse. Do sonho, cinzas. Um deserto infértil que fez adoecer mãe e pai, levou amigos para vidas longe e fez doer muitos corações magoados de dúvidas. Um dia, o T. apareceu. E voltou a partir. Nunca se soube dele. Há mais ou menos um ano, soube-se que um currículo brilhante se lê em muitas línguas e que estava agora em pouso certo. É segredo. Ainda hoje. Sabem-no só os que lhe deram palmadas de costas que não se dão a qualquer um e os que choraram por dentro quando lhe souberam o filho perdido.
Da M., desde o dia em que o T. sumiu, nunca mais se falou.
Soube hoje que o T. e a M. nunca deixaram de estar juntos. Soube hoje que nasceu a Maria.
Se eu não soubesse já que o T. era perfeito, podia bem acontecer que hoje me pasmasse. Não pasmei. O T. não é homem para prometer amar uma mulher toda a vida e falhar-lhe a meio.
E amar, digo eu, também exige esta coisa que é acreditar, que é pular, mansamente, por cima de todas as dúvidas... e, depois, tantas vezes, de todas as certezas. Tudo, por um feito maior. Mais ou menos como só assim fazer sentido, como só assim ser viver a sério. Viver a sério, para quem ama, não faz sentido de jeito diferente... Se não perdoar não fará ninguém mais feliz, só pode ser-se inteiro num aconchego nunca negado.
É por isso que eu continuo a achar que não há sempres nem nuncas nos sentires. É por isso que me faz todo o sentido um sem número de coisas aparentemente incompreensíveis...
* Simplesmente porque há coisas que me fazem perceber como é pouco importante estar com o trabalho atrasado. Sobretudo porque adoro o T. e hoje passei a admirá-lo mais do que nunca.

1 comentário:

  1. Leio a história e não posso deixar de lhe querer traçar um final diferente. Admiro o T. mas desejaria, sem o conhecer, que não tivesse passado pelo que passou.

    Para mim, fim de sonho com direito a aplauso seria ter encontrado o verdadeiro amor algures, escrito noutra língua, sentido de outra maneira.

    As histórias de amor, aquelas que fazem suspirar, as verdadeiras, não incluem traições, filhos de outrem que julgávamos nossos e retornos estranhos.

    Porque não duvido do amor deles, mas não sei se será o mesmo dessa tarde de Setembro...

    ResponderEliminar