quarta-feira, 3 de outubro de 2012

É tão triste

Ando a tentar poupar-me e poupar-vos a lamentos deste género, até porque, como em tudo, é perigoso que, pelos maus exemplos, se tome a parte pelo todo. Mas não consigo. Preciso de desabafar e não tenho mais onde fazê-lo com esta liberdade. Não posso pôr isto no facebook, sequer. É tão triste arguir uma tese de mestrado fraquinha. É tão mau. É tão doída a sensação de vergonha pelo alheio. Tenho tanta pena. Porque, muito honestamente, acho que o grande mal disto tudo está em tomar-se por assente que todos temos de dar para isto. Não damos. E não há mal nenhum nisso, bolas. Mas por que cargas de água tem todo o bicho careta de ser licenciado ou mestre ou doutor?! É isso que o torna melhor?! A sério?! Não me digam que ainda há quem defenda isto. Por favor não me digam que isto é coisa defensável. Ando às voltas com uma maneira simpática de despedir a Dona G., tudo porque no sábado, ao arredar os móveis para as remodelações, descobri que havia uma colónia de cotão cá em casa. Deprimi. Mas é que deprimi mesmo. Não limpa os rodapés, não arreda móveis e não vê que há pó na parte de cima dos quadros. Acontece que me queixo e a resposta vem pronta por quase toda a gente: "O que é que queres?! São todas assim. Ao menos passa bem a ferro, é despachada e limpa o maior." Oi?! E limpa o maior?! Mas está tudo tolo?! Isto para vos dizer que preciso de uma empregada doméstica que limpe, que pegue num pano e esfregue até sair o sujo, que não há outra maneira de limpar. Que não me poupe o detergente da madeira, que deixe as torneiras sem manchas e não passe por cima das dedadas nos vidros. Ah... e que saiba que os sacos do aspirador não são vitalícios. Também descobri no sábado que o meu aspirador não aspirava. Fazia barulho, mas não aspirava. Provavelmente, não aspirava há meses. E a grande ciência para justificar isso era esta: tinha o saco cheio. Estava como eu. De saco cheio. Agora digam-me: não é tão importante ser um mestre, dos bons, como ser uma empregada de limpeza que limpa e muda o saco do aspirador?! É. Mas toda a gente se convenceu que não, que não é. E pusemo-nos a mascarar a realidade da nação, dando de barato que é tudo letrado quando há drs. que fazem mal a entoação dada pelas vírgulas às frases. É tão triste. Mais triste que isso, só o bacoco intelectual de não reconhecer, com humildade, que, se lhe estão a dizer que não está bem, se calhar, não está mesmo. E, enterrando-se cada vez mais fundo, obrigar a arguente a tornar a arguição uma oral de terceiro ano... Fraquinha, também ela. Não era nada comigo e vim cheia de vergonha. Espanta-me que tenha sido a única a senti-la.

7 comentários:

  1. Dear R., a mim espanta-me que exista uma generalização das "boas notas". Ainda sou do tempo que um 14 esforçado era uma boa nota. Agora, tenho amigos que dizem: "Oh, vou ter 18 e vou..." (Enfim, é triste).

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    1. Aqui nem se trata disso. Nunca dei um 18. Nunca estive num júri de uma tese de Bolonha a que tenha sido dado 18. As teses melhores têm tido 16 (e lembro-me de dois 17). Porque, embora sejam boas, não são de 18, de facto. O que se passa aqui é que ando a dar títulos de mestre a gente com tese avaliada com 10. Antes desta enormidade de ter 200 alunos a fazer mestrado num ano, nunca me lembro de alguém, na minha faculdade, ter menos de 14 numa tese de mestrado. E isto era uma tese fraca. A selecção era natural... feita antes, com papers e apresentações orais e com a certeza de que a não democratização do mestrado não era uma coisa má, mas a forma de garantir que aquilo era para quem queria seguir uma determinada linha de investigação académica assumidamente séria. Teses avaliadas com 10 são teses que não acrescentam nada ao mundo, que não têm grandes erros, em princípio, porque se limitam a dizer o que fulano e beltrano e cicrano já disseram. E copiar e resumir são coisas que se aprendem na primária. Desde que se assinale a fonte, está feito, no superior. Enfim. São copistas. Só não são monges.

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  2. Não, não és a única a sentir vergonha em situações destas... Vivemos um tempo em que a mediocridade se mascara com um verniz tão mauzinho que faz dó... e estala tão facilmente!
    Infelizmente não sei o que te diga a não ser que te vais sentir assim mais vezes e perguntar a ti própria se afinal alguma coisa faz sentido... Se te consola, já somos duas!
    Dedica-te ao Alemão :))!
    Um beijinho,
    Marta

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    1. Parece que não pensam, que não têm opinião. Faz-me uma confusão. Como nas aulas, em que se calam. E eu digo "Ora diga lá o senhor o que pensa disto." e a pessoa responde "Ah... não sei, não quero dizer asneira". Estou FARTA de lhes dizer que se há sítio próprio para dizerem as asneiras é a aula. Grave é não as dizerem ali mas depois, ao longo da vida. Quanto ao alemão... depois de uma tardada de arguições... ainda fui lá duas horas aprender a conjugar o kommen e outros que tais :) Beijinhos*

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  3. Há uns tempos tive que arguir uma tese de mestrado vergonhosamente má. Procurei aspectos gerais que pudesse elogiar, mas não os encontrei. Não havia nada nem de bom nem de razoável. Nesse dia fui para a universidade a morrer de vergonha antecipada pelo triste espectáculo em que iria participar. Pior fiquei quando percebi que o candidato a mestre tinha convidado a família completa para assistir ao triste momento (garanto que nunca tinha visto tamanha audiência num momento daqueles). Fiquei pior que estragada, então aquela alminha nem sequer tinha noção da desgraça que tinha escrito? Ou fazia questão de partilhar a desgraça com os familiares? Tive tanta, mas tanta vergonha daquele momento e pareceu-me que quem a devia ter nem dela se apercebeu.

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  4. Diz a verdade, de forma educada.

    erva doce

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  5. Olá R.!

    Já cá não venho há algum tempo...

    Preocupante, mesmo! Para além das pessoas não terem espírito crítico, não se questionam ou não têm tempo para se questionar. Isso acontece no exemplo que dá, mas noutras áreas também. O pior de tudo é que há sempre alguém que suporta (no sentido de apoiar) isso. Esse apoio, pode ser por questões emocionais, relação profissional, interesse, ou outras, mas certo é que contribui para desfechos tristes, muito tristes. Como, quando uma amiga nos pergunta se achamos que ela está gorda. Se estiver, não esperem de mim uma resposta diferente. (Respondo de forma a que as palavras não a magoem, mas que a façam fazer alguma coisa). O exemplo pode não ser o melhor, mas concluindo, entristece-me ver e ouvir relatos destes porque é tão mau o que requere aprovação como aquele que aprova ou está "obrigado2 a aprovar.

    Beijinho e vou passando por aqui :)

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