sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Porque os natais tristes não deviam existir

Na terça feira, ao largo da Figueira da Foz, os seis tripulantes de um barco de pesca que naufragou desapareceram. Tenho uma admiração visceral pelos homens do mar. Mas não nego que o meu respeito, a minha vénia é ainda maior às famílias dos homens do mar, às mulheres, aos filhos, às mães e aos pais de quem leva a vida a sumir no horizonte. Não consigo imaginar o que sentem estas pessoas um dia e depois outro e depois outro... uma vida a verem partir os seus. Um misto de amor ao mar e de temor. Vidas a meio caminho entre a aventura e a dura realidade de não haver alternativas. Quando hoje soube que tinham sido encontrados, todos vivos, aqueles seis homens, lembrei-me do que terão passado e de como serão capazes, segunda ou terça feira, de empreender novo caminho mar adentro. Como se diz a quem por certo lhes chorou a morte certa "Já passou. Deixa-me ir."? Tenho pelo mar o sentimento de quem olha com surpresa as criações do Mundo. E pouco mais. Não exerce sobre o mim o fascínio confortável das coisas que não suscitam medo. Isso não. Há, na minha contemplação de tanto azul, sempre a certeza da pequenez de tudo quando comparado com aquele perder de vista. E por isso é que eu tenho, pelos homens do mar, o sentimento de profunda gratidão por existirem, por imprimirem nas marcas do Mundo, as impressões de quem avança independentemente do medo. Mas foi pelas famílias dos homens do mar, daqueles seis e dos outros todos, que hoje não evitei duas lágrimas pela cara abaixo. É que há milagres. E até o mar reconheceu que aquela não é gente que merecesse não ter natal. Estou tão feliz por eles... Não conheço ninguém. Mas hoje apetecia-me dar um abraço apertadinho a cada pessoa que renasceu.

4 comentários:

  1. Não diria melhor. Senti exactamente o mesmo. Bonito texto. :)

    http://digamquevoei.blogspot.com/

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  2. Estava no aeroporto à espera do meu pai quando vi num écran sem som os abraços emocionados e li a legenda em rodapé que dizia terem sido resgatados os seis homens. Aqueles abraços eram tão genuinamente gratos e felizes que também dei por mim a esconder a cara no meio daquela gente toda, para não me verem as lágrimas a quererem saltar dos olhos. Ganhei o dia.

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  3. (perdoa-me o francês, que em português é "ecrã" - bem me parecia que não tinha soado bem!)

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  4. A notícia dos pescadores encontrados ao largo da minha praia foi um alívio e uma grande satisfação porque também eu tenho um avô pescador, e se ele não sai para o mar desde o acidente que vitimou o sócio dele nesta arte de homens de barba rija, penso todos os dias nos empregados que ele manda para o mar, homens de coragem, que fazem pela vida, que adoram o que fazem e que vêem no mar a sua fonte de alimento! É certo que a arte xávega não se assemelha a este tipo de pesca de vários dias em alto mar, mas o barco é muito frágil e a altura das ondas é o seu maior entrave! Tenho noção que esta notícia pode muito bem ter sido um milagre que poucas vezes se repete!!

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