sexta-feira, 5 de maio de 2017

Hoje mais do que ontem e menos do que amanhã

Ninguém nos diz que o amor pelos filhos, aquele assim que é maior que o peito e não cabe cá dentro, não nasce no parto. Quando um filho nos nasce, há muito que nos nasceram já expectativas. Uma delas é a do "amor de mãe". Também eu a tinha, convicta desde o início que esse "amor de mãe" não seria maior, nunca por nunca ser, que o amor que tenho ao meu irmão. Tenho um irmão mais novo onze anos e dedico-lhe, desde que nasceu, o meu amor mais profundo e genuíno. Aquele amor desinteressado e que se espanta com o seu agigantar, esse amor, esse eu já o experimentava há 25 anos. Capaz de dar a vida por algumas pessoas, punha a cabeça na linha do comboio pelo meu irmão e sem hesitar. Criei com ele uma cumplicidade que ultrapassa as arrelias e que supera os silêncios. Somos, mais que irmãos, apaixonados um pelo outro. Acreditava, pois, que nada superaria isto. Que amores imensos eu conhecia já outros, pelos pais, pelo marido, enfim, mas que este "amor de mãe" era o que eu dava ao meu irmão e ponto final. Sucede que o meu filho nasceu e eu só o amei. Era capaz de por a cabeça na linha do comboio por ele, passei a primeira noite em claro a decorar-lhe as feições e descobri nele um perfume que transborda doçura, mas eu só o amava. O meu "amor de mãe" não era ainda um espanto a acontecer. Só os dias, a calma da vida a retomar o seu curso com um filho na bagagem, a paz do encontro que acontece sempre que ele acorda e reconhece o som da minha voz, só isso, assim, a vagar, me mostrou que o "amor de mãe" não nasce no parto. O "amor de mãe" não é nem maior, nem menor que os amores que eu já senti, assim desses que nos enchem a alma. O meu "amor de mãe", pelo menos o meu, é tão simplesmente uma coisa toda diferente. É amar na continuidade do amor que nos temos, como ritual de renovada esperança a cada momento. O meu "amor de mãe" sou eu e está fora de mim, transforma o que eu era e adivinha o que eu ainda não sou. O meu "amor de mãe" só faz amansar-me os dias e adoçar-me a vida. Hoje mais do que ontem e menos do que amanhã, o meu "amor de mãe" é um caminho à minha frente. O meu. Só nosso.

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