terça-feira, 14 de abril de 2015

Dos laços que se desatam e dos botões que caem

Não sei se já vos aconteceu comprarem por exemplo um par de sapatos lindo de morrer, com um lacinho perfeitinho em cima e que um dia, sem que nada o fizesse prever, calcado por alguém ou puído pelo tempo, simplesmente se desata. A mim acontece-me muito. Regra geral, o primeiro sentimento vai no sentido de que o laço nunca mais será como dantes, nunca mais será o original, aquele que nos fez apaixonar pelos sapatos e abdicar de qualquer coisa para poder levá-los para casa. Com o tempo, e porque adoramos os sapatos, sentamo-nos pacientemente e treinamos laços novos, a ver se algum se ajeita como deve ao topo dos nossos sapatos. Raramente acertamos à primeira, ou porque as orelhas não ficam simétricas ou porque o fio de seda ou de pele encarquilha e teima em não parecer já tão bem. Às vezes, no entanto, lá conseguimos. E damos um laço mesmo parecido com o primeiro. Só nós, naquele momento, e porque assistimos a tudo, podemos dizer que este novo não veio de fábrica. Nessas situações, ainda a medo que o laço se desfaça novamente, costumo dá-lo com mais precisão e garantir que não me esqueço de, por cima, lhe dar ainda um nó. Um nó cego, à prova de encontrões e do tempo. Acontece-me o mesmo com os botões. Muitas vezes, lá da loja onde raio cosem os botões agora, nem dão uma laçada no fim e aquilo mal uma pessoa começa a levar a peça à máquina e sujeitá-la a mais reviravoltas e é ver as linhas a crescer para fora do botão. Um dia, inevitavelmente, ou o botão cai (às vezes até se perde) ou, cansados de andar de mansinho para não abanar o botão, uma pessoa decide mesmo é puxá-lo. Também nesses casos, muitas vezes, o problema está para vir. Pelo menos eu, quase nunca encontro uma linha exactamente do mesmo tom para coser o botão que caiu. Regra geral, então uma pessoa procura uma linha que se aproxime e cose o botão o melhor que pode. Assegura-se que a camisa ou o vestido ou as calças hão-de acabar por ficar rotas, mas aquele botão, aquele botão não há-de voltar a cair. Como sou uma perfeccionista, no entanto, nunca me fico por aí. Acabo por cortar as linhas dos outros botões todos e coser um a um, com a linha nova, com as voltas todas que me parecem assegurar que não mais ficarei apeada. Dar os laços com nós cegos por cima e coser os botões com tantas voltas que eles se encavalitam em linha, leva tempo e carece de alguma disponibilidade mental. Tem valido a pena. Daí em diante, quase nunca me volto a lembrar que o laço não veio de fábrica e a linha era de outra cor. Há um dia em que o laço que eu dou até me parece melhor e a linha nova que escolho mais acertada. Mas preciso de me sentar, respirar fundo e deitar mãos à obra. Leva tempo. Não sei como é convosco. 

1 comentário:

  1. Faço o mesmo mas há peças que chegam a estar meses (ou anos, ai que vergonha assumir isto!) num montinho no canto do armário à espera de tempo e vontade (mais até da vontade) para lhes pegar e investir nelas. Depois vale tudo a pena.

    Gosto tanto deste texto! E de ti.

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