segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A espera

Ao longo destes quase trinta e dois anos, tive momentos muito felizes, em que encontrei, nos outros ou até só em mim, um motivo a mais para sorrir com o corpo todo. E só quem já sorriu com o corpo todo pode entender como isso é bom... Não andei propriamente à procura de nada e não esperava, em ânsias, propriamente ninguém. Reconhecia, muitas vezes, que a minha maneira de projectar o futuro teria muito sentido a dois, que a minha idealização de vida comportava a ideia de família a que pertencesse como mãe e mulher, mas não deixei de viver nada por causa disso. Fiz as amizades que pude, as viagens, íntimas e no espaço, que desejei mais, os disparates que não soube evitar. Conheci gente. Fui-me apaixonando. E é verdade que fui, ao longo do tempo, sofrendo com histórias em que depositei esperanças genuínas de continuidade. Aprendi, com quase tudo, que a vida pode surpreender-nos, mas confesso que não aplicava o ensinamento ao amor e me custava acreditar que ele me batesse à porta precisamente quando menos esperava. O passar dos Invernos investiu-me da travessura própria de quem se habitua a contar consigo e a enumerar os seus sem poder referir-se a um companheiro incondicional de aventura. Digo-vos mais, que me revoltava com a declaração delicodoce de que os príncipes existem e um havia de me encontrar numa qualquer esquina da vida. É por isso que não uso o texto de hoje como matéria propedêutica para os corações à espera. Por mais que o diga, sei-o de cor, não vos parecerá possível acontecer-vos também a vocês. Deixo só a notícia vivida, o relato fiel, na primeira pessoa, agora deliciosamente metade distribuída no peito de outrem. O B. apareceu quando, juro-vos, menos esperava. Aliás, apareceu quando menos tinha cabeça para ver quem aparecesse. Apareceu pela mão de amigos comuns há mais de uma década. Apareceu depois de, certamente, nos termos cruzado durante um ano inteiro provavelmente todos os dias, sem que, porém, qualquer um de nós se lembre do outro. Apareceu por causa de um comentário inocente, de umas palavras tão inofensivas. O B. apareceu e pareceu-me profundamente apaixonável por fora, mas apanhou-me numa má fase, em que não realizei que pudesse ser apaixonável por dentro e simplesmente me esqueci dele. O B. apareceu disposto a conversar. A conversar sobre livros, sobre lugares, sobre o seu Van Gogh, sobre o seu Bach. O B. apareceu e eu não lhe liguei nenhuma, adiei as respostas, achei que não tinha pachorra, que não era prioritário fazer de simpática. O B. ficou, sem intenções outras que não fossem encontrar alguém que o ouvisse, que conhecesse o Al Berto, que pudesse querer, cheia de percalços, aprender mais sobre Arles e que ao fim de muito tempo ainda o fizesse rir com a reacção a piadas sobre a Enron. O B. ficou e resistiu a muitos testes. Bebeu chá com pó e tudo. Foi paciente. Não me julgou. Desempoeirou-me os medos e deu-me à luz de uma descoberta a dois que não tem tido fim. Todos os dias. Com a calma das relações que começam na hora certa, sem rodeios, mas sem pressas. Não sei se há dez anos viveria este amor assim. É provável que não. Sedimentei muito do que posso ser sozinha para chegar a ser como sou com ele, hoje em dia. Não tenho muitos medos, mas tenho alguns. E os que tenho são grandes. São monstros com os quais travo lutas ferozes, empenhada uma e outra vez em vencê-los. Temo não fazer o B. tão feliz como merece. Sei que um dos seus medos é não me fazer tão feliz como quer. Depois tenho certezas. Enquanto pensarmos nisto assim, enquanto projectarmos no outro esta razão a mais para sermos melhores pessoas, acredito muito, estamos no bom caminho. É a coisa mais foffi da sua namorada. E apareceu, acreditem, quando eu não o esperava.

8 comentários:

  1. O texto está "foffi"!
    E eu acho lindo um amor assim e fico feliz pela R...

    Bj.
    C (en)

    ResponderEliminar
  2. Um texto tão bem escrito e sobre coisas tão boas, que me deixa feliz por ti e me revela que, afinal, mesmo que me queira muitas vezes convencer que sou uma durona, lá no fundo, bem no fundo, devo ser uma romântica. :) Beijinhos, minha R, bem vinda ao teu mês!

    ResponderEliminar
  3. É na verdade de palavras como estas que encontramos alento para o nosso coração e para a nossa alma. Obrigada!

    Um beijinho grande,

    C.M.

    ResponderEliminar
  4. O amor aos 30 é mesmo assim!;-)

    erva doce

    ResponderEliminar
  5. Vive cada um desses dias e tenta ao máximo gravá-los na memória. Assim vais permanecer feliz sempre! ;):)

    ResponderEliminar