sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Memórias

Tenho uma péssima memória. Para o bem e para o mal, tive de aceitar que a minha memória é, de facto, muito má. Quando, nos testes psicotécnicos, a primeira aptidão profissional me ditava uma carreira de actriz, soube logo que isso só podia dever-se ao gosto que sempre tive por teatro, ao facto de desde muito miúda fazer teatro (tenho umas saudades...). Não podiam, em concurso para aquela conclusão, contar com a minha memória, já na altura fraquinha de dar pena. Quando percebo uma coisa, dificilmente a esqueço, mas há coisas que não são para perceber. Como diz a minha professora de alemão, há coisas que, pura e simplesmente, temos de decorar. Ora eu, decorar, bem, decorar não consigo. É uma das razões pelas quais a ausência de regras no alemão me enerva tanto. Também terá sido esta uma das razões para a minha pior nota ter sido a História de Direito Português. Ou que a única vez em que ponderei copiar na minha vida de estudante foi no oitavo ano, para o teste em que tínhamos de saber todos os reis, de todas as dinastias, com data de início e término de reinado!!! Muito por isto, posso amar um filme, uma música, um livro, um poema, um quadro... e... não conseguir dizer quem realizou, quem compôs, quem escreveu ou quem pintou. Admiro a capacidade de quem mentalmente cataloga os seus amores e nos cita de cor a história completa de um objecto que admire. Não consigo. Acreditem que nem é porque goste menos. Simplesmente, não consigo. Tenho imensa dificuldade em fazer listas de predilecções. Sinto que me esquecerei facilmente de items importantíssimos. Pode acontecer que me falem de um filme e eu julgue, na altura, nem sequer o ter visto. Depois vão-me repovoando os sentidos das imagens que o compõem e a meio da conversa desbloqueia-se-me o cérebro e lá chego eu à conclusão que conheço, então pois claro que conheço. A minha mãe disse-me vezes sem conta que tudo isto se devia a colar os conhecimentos com saliva. Não estou assim tão certa. Há muitas coisas que não colo com saliva e, mesmo assim, sinto que preciso reavivar de tempos a tempos para ter na ponta da língua. Preparo hoje as aulas como sempre. Vá, em menos tempo, é certo, mas tenho de as preparar com a mesma atenção, porque pode facilmente escapar-me um pormenor imprescindível para a compreensão de dado problema. Sempre que leio um artigo que escrevi, espanto-me de ter pensado aquilo e preciso parar um bocado a refazer o raciocínio... Depois lá vejo que até faz sentido, mas preciso de tempo. Esta minha péssima memória justifica que tenha de escrever tudo. Todos me gozam, mas a verdade é que tenho um caderninho onde aponto os presentes que ofereço no Natal, às diferentes pessoas. Ou fazia isso, ou as minhas pessoas corriam o risco de ser corridas a coisas repetidas todos os anos. Esforço-me por dar alguma coisa que me lembre a pessoa, que ache que tem a cara de quem pretendo surpreender. Por isso, seria fácil repetir-me. Esta minha característica, chamemos-lhe assim, tem, porém, um lado muito bom. Um lado que, honestamente, para mim, compensa tudo. É, muito seguramente, uma das marcas de personalidade que mais prezo. Esqueço com facilidade uma coisa que façam e que me magoe. Acontece com alguma frequência lembrar-me que a pessoa x não tem um santo que cruze com o meu, mas não conseguir dizer exactamente porquê. Sei que já me fez alguma, mas já não me lembro bem o que foi. Não guardo rancores. Quem erre comigo uma vez pode, sem grande dificuldade, voltar a ter-me por inteiro. Basta que se arrependa, não reincida, peça desculpa e me leve a esquecer. Guardo, e isto é também uma coisa que prezo muito, com mais facilidade, um momento feliz, uma ajuda preciosa, uma palavra amiga, um ombro em que chorei, um gesto cúmplice... do que um deslize. 

Que a vida me ponha sempre, no caminho, pela vida fora, quem aproveite a minha má memória para reconhecer que amar-me é também saber desculpar-me as falhas com a condescendência com que eu própria as esqueço no outro...

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