quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Vergonhas

Faz-me espécie ter de andar em chique quando estou em casa. Dá-me nos nervos pensar que não posso sirigaitar em modo cabelo ninho de rato e pijama embotado até ao banho da noite. Custa-me imaginar alguém com quem se partilhe a vida não saber que para as pernas estarem lisinhas é preciso fazer a depilação e para as unhas estarem pintadas é preciso chegar-lhe o verniz e para os cotovelos estarem macios é preciso esfregá-los bem com creme. Vai daí, devarinho, vou mostrando ao rapaz que as sobrancelhas de uma mulher não nascem com o contorno perfeito, que o esfregão da loiça é inimigo da manicure e que ao excesso de trabalho se pode associar a incapacidade para estar sempre pronta a vestir saia/vestido, como se as pernas nascessem e vivessem depiladas só porque nos dava mesmo jeito que assim fosse. Apesar de tudo, ao reler uma declaração da Fernanda Serrano, em que assume que nunca quis que o marido a visse careca quando esteve doente, percebo-a. A fragilidade não é feia, mas é demasiado íntima. O desleixo natural, é uma coisa. A sensação de fealdade irremediável, é outra. Todas nós, acho eu, prezamos o à vontade de mostrar a quem mora connosco que a maquilhagem pela manhã faz milagres pelas nossas olheiras. Assumimos a naturalidade de permitir ao outro saber que também nós temos horas más. Mas isto em nada se compara, quer-me cá parecer, a assumir o que até para nós é doloroso de ver, de aceitar, de ultrapassar. Costumo aproveitar os dias de maria bardajona para, de uma hora para a outra, ao despir a personagem, dizer para mim mesma "Definitivamente, quem te comprasse há pouco e te vendesse agora, ficava rico!". Quando se está doente, não se pode dizer isto, não dá para dar a volta com um banho, duas esfregadelas com creme, três pinceladas de blush e meia dúzia de borrifadelas perfumadas. Deve doer demais... Perceber que não se quer mostrar a ninguém como se está porque, a bem dizer, se agradecia muito nem sequer ser obrigado ao confronto com o que, naquele momento, se é. Que coisa triste. Que medo ruim. 

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