A minha vida sem ti não podia ser um quadro em branco. Há muito, meu amor, que a minha vida já não é um quadro em branco. Sabes, entre tentativas muitas de acertar com as cores, fui esgravatando na tela até quase me parecer que não tinha remédio. Não ia conseguir fazer daquilo um quadro de beleza impressionante, nada que se comparasse aos que fui preferindo ao longo da vida ou a que ganhei afecto contigo. Nunca, naquela tela, caberia, em meu entender, por falta de jeito com as mãos, uma motricidade fina caótica e algum desespero e pressa, uma Leiteira de Vermeer, um Império de luz de Magritte, um Beijo de Klimt, um Sobre a cidade de Chagall, um Quarto de hotel de Hopper ou uma Casa amarela do teu Van Gogh. Até teres chegado. E a minha vida sem ti não podia ser um destes quadros do Basquiat, por mais caros que sejam e por mais que alguém os entenda e queira muito. Não gosto deles, não os percebo, não os aprecio sequer curiosa por descobrir-lhes um qualquer sentido. Não pagaria por eles e se mos dessem, bem sabes, criavam-me com isso o constrangimento necessário de aceitar e agradecer mas bem saber que não tinha lugar para eles. Até teres chegado, não sabia sequer que a minha vida não podia ser um quadro do Basquiat. Pura e simplesmente porque nunca tinha ouvido falar dele. Até tu teres chegado, a única coisa em que acreditava é que não podia fazer dela um quadro perfeito. E depois tu chegaste. E vejo agora que a minha vida, meu amor, a precisar de reparos constantes na cor, é certo, como todas, é uma obra inacabada a que só tu, pintor imenso na genialidade de me reinventares as formas de viver os dias, podes ir dando o melhor sentido. Tu lá sabes do teu plano. Não me intrometo por aí além. Basta-me saber-te de volta às artes, apaixonado pela obra a que prometes, desde que chegaste, dedicar-te para sempre.
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