Tenho alguma curiosidade relativamente ao Brasil. Não é assim o meu destino no topo das preferências para uma viagem, mas gostava de ir até lá um dia. A bem dizer, não pelas praias ou pelo calor, mas porque tenho pessoas muito queridas a morar em vários estados do país e porque continuo a acalentar o sonho de um dia pisar a Amazónia. A minha vontade, porém, sofre golpes profundos quando assisto às imagens que nos chegam do Brasil por estes dias. Embora, em tese, tudo se esteja a consolidar de uma forma aparentemente quase pacífica, a verdade é que desconfio muito que assim seja. Tenho do Brasil uma opinião muito pouco organizada, quase esquizofrénica. Gosto muito e gosto pouco, à vez. Brasileiras de gema, tenho três no coração: C., a N. e a G.. Em geral, o excesso de mel dos brasileiros incomoda-me. Sinto-os pegajosos e tenho muita dificuldade em aceitar que aquilo não tenha uma enorme dose de puxa saquismo. Alunos brasileiros, salvo honrosas excepções, são o desespero de qualquer professor universitário. Arrogam-se as prerrogativas de erasmus, como se não falássemos todos a mesma língua, e são sofrivelmente carentes de atenção. São os que têm sempre uma dúvida no fim da aula, por mais estapafúrdia que essa dúvida seja. A bem dizer, um ou dois episódios de brasileiras fáceis e portugueses ordinários a juntarem-se aos pares em demanda bem sucedida de enorme sofrimento para amigas minhas também não ajudou muito a gostar do estilo. Depois acho que não têm, também em geral, grande chá. Um dos meus colegas de doutoramento, volta meia volta manda-me mails a pedir coisas. Nunca, mas nunca, mas é que nunca, escreveu um por favor. Faz-me espécie. Tenho a vaga sensação que o povo brasileiro nos conhece muito pior do que o conhecemos a ele, escarra descaradamente na sua história (descrição alusiva ao malfadado vídeo da Maitê Proença... Nunca mais pude com a mulher...), continuam a tomar-nos por atrasados (e não é no sentido vintage do termo), acham que somos feios, porcos e maus. Depois, enfim, não gosto de carnaval. Não acho piada nenhuma àquela azáfama (embora ainda ache mais irritante cada uma das imprevistas imitações que por cá se fazem, em que a malta se despe quando em Portugal faz frio comórraio). E, finalmente, sinto, tal como acontece relativamente à Venezuela e à Colômbia, sobre os quais o meu conhecimento é maior, por ter muito com quem falar a propósito, que aquilo é o ex libris da desigualdade social. Enfim... é isto. Acontece que hoje olho para as notícias que nos chegam do Brasil, para os relatos, para as imagens, para tudo quanto está em cima da mesa, e é impossível não me solidarizar com um povo que saiu à rua para gritar "Basta!". O meu pensamento tem, ao longo dos últimos dias, seguido um estranho desvio para ir parar ao Brasil. Às pessoas como nós que moram em favelas e que simplesmente foram desalojadas, aos detidos em condições desumanas, aos desterrados num país grande demais para crescer todo ao mesmo ritmo, às crianças que nascem entre balas perdidas e, algumas, tristemente achadas. Não me perguntem exactamente porquê, mas não houve nunca uma época assim... em que desconto aos brasileiros a sua natural condição de tontos sambistas alegres, para lhes prestar, daqui, a homenagem reconhecida por, lentamente, se fazerem homens e mulheres de luta.
Desculpa a crueldade do comentário, mas para mim, ir ao Brasil só se for pela beleza natural. Não é um povo que eu tenha particular curiosidade em conhecer no seu habitat natural. As experiências que tenho tido com eles em termos profissionais não são propriamente abonatórias.
ResponderEliminarHá excepções, Mariposa. Tenho sempre necessidade de o dizer... Embora, como se nota, a minha imagem geral deles também não seja a melhor. Mas cá também há muito bandalho...
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