Há mais um pescador desaparecido. Desta vez, de Viana do Castelo. E aguardamos todos, ansiosos, um novo milagre, como este que me fez chorar a mim e a meio país em Dezembro. Nunca me senti indiferente a estes acontecimentos com o mar por algoz. Conforme já disse, o mar não suscita em mim um sentimento de conforto. Bem pelo contrário. Inquieta-me. Parece gente, gente dúbia. Sedutor, mas pouco transparente. Nunca se sabe bem o que nos prepara, se a cada novo encontro nos devolverá com a alma limpa ou nos marcará para sempre por uma dor profunda... como ele. Talvez muito porque há quase um ano assisti de perto a uma tragédia destas, hoje é ainda mais difícil para mim ler notícias como esta sem que um nó insuportável se me forme na garganta e me desça até ao peito para aí se alojar impiedoso. Há quase um ano, uma amiga do mano perdeu o pai e o único irmão no mar. Assim. Um dia eles estavam lá e no dia a seguir já não estavam. Passaram-se meses até que recuperassem ambos os corpos e isto faz-me odiar um bocadinho o mar que, com requintes de malvadez, esconde as vítimas muitas vezes, cravando na vida de quem fica uma saudade ainda maior. Esta menina perdeu o pai e o único irmão que tinha na véspera de uma apresentação de dança em que seria figura de meio palco. Perdeu-os nas férias, num dia de lazer, daqueles em que nos despojamos perante o mundo das angústias e receios, em que nos lançamos sem rede, o que faz do mar, naquele dia, um inimigo ainda mais odioso. Era a primeira vez que o pai, amante do recreio no mar, levava o filho, para com ele redescobrir as maravilhas da inultrapassável sensação de liberdade que só o infinito pode dar. Levavam muitas coisas, mas haviam, por muitas razões, saído munidos sobretudo de expectativa e felicidade. E morreram no mar. Primeiro o pai... depois o filho, que mergulhou para lhe recuperar o corpo que havia de fazer da dor das mulheres da casa uma coisa menos inultrapassável. Morreram juntos. Como herdeiros do "um por todos e todos por um" que une as pessoas que se amam. Foi assim. Cruel. O meu respeito pelos homens do mar é imenso, de facto. Mas, continuo a dizer, são as famílias deles as minhas heroínas. É nelas que encontro os meus exemplos maiores de raça humana. Sou das que prefere ir. Sou das que se contorcem por ficar sem saber, sem notícias. Angustia-me a ideia de destino, de fado, de Deus dará. Preciso saber dos acontecimentos, ter os meus por junto, saber que posso sempre escolher dar o peito às balas para salvar as minhas pessoas. Por isso é que me vergo à verticalidade das mulheres dos homens do mar, que lhes depositam todos os dias nas mãos a empreitada de voltarem sãos e salvos, sem poderem controlar nada do que a vida fará a seguir, sem poderem julgar os ímpetos do mar. Por isso é que os filhos dos homens do mar têm, na minha vida, o espaço das pessoas mais maduras, feitas todas de uma massa que vence, a cada manhã, medos e gigantes. Espero muito que este pescador apareça. Espero voltar a lavar-me em lágrimas por um milagre como o de Dezembro. Gostava mesmo de, devagarinho, devolver ao mar um lugar melhor na minha arquitectura do mundo.
escreves muito bem...
ResponderEliminarEstas notícias incomodam-me a alma, tanto tanto, não fosse eu neta de um pescador, de arte xávega, é certo, ainda assim uma arte do mar!
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