sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Actualidade

Tenho optado por não comentar os pretensos assuntos da actualidade. Da Pepa, do Zico, do dador que antes de o ser já o não era e afinal vai-se a ver e nunca o foi, das fatiotas dos Globos de Ouro, do herói que se dopava, da Troika que sugere impostos sobre a maternidade, do FMI que nos elogia mas diz que os esforços ainda não acabaram, do Seguro que diz que está pronto para governar e me parece muito, mas muito pouco seguro disso, do Coelho que vai a França desdizer o que disse cá, enfim. Não ando distraída, ando calada. É muito diferente. Ando a pensar nas coisas e a preferir calar-me. Quase sempre por achar que falar não ia adiantar grande coisa e, nos casos em concreto, não precisar sequer de alívio, que, só por si, seria já mote bastante para dizer de minha justiça. Simplesmente, como disse há dias a uma amiga, ando a ver se priorizo as prioridades que merecem sê-lo. A família, os amigos. A saúde da família, a saúde dos amigos. Os meus em paz. Os meus felizes. Os meus apaixonados, vibrantes, cheios de luz, grávidos de muitas coisas que devem ser agradecidas e valorizadas. Tudo isto me tem parecido muito mais importante que comentar os assuntos da actualidade de hoje e que amanhã já não são actualidade coisíssima nenhuma. Tenho-me dedicado mais a ler, a ouvir música, a saborear os chás novos que recebi pelo Natal, a pensar nos artigos incompletos, na tese impaciente. Tenho-me esforçado por ver como sou abençoada por, além de tudo o resto, poder continuar a fazer o que mais gosto. Tenho-me dedicado ao mano, às conquistas do mano, à mãe, ao pai, aos amigos que me preferem junto. Tenho até preferido pintar as unhas, mudar a decoração de casa, fazer mais yoga e pôr-me a par da Gabriela que comentar esta actualidade. 
Até hoje.
Não sei qual é formação deste senhor deputado (deliberadamente em minúsculas) e não me interessa saber. Independentemente da matriz jurídica que crassamente falha ao senhor (o que só por si já seria grave, pelo menos a partir do momento em que se dispõe a comentar um assunto destes), falha-lhe ali uma consciência humanista que me deixa perplexa e assustada. Perplexa por só ter dado agora à estampa o seu profundo desgoverno intelectual a propósito de um assunto sobre o qual terá sido "ouvido" em votação, assustada porque se sente capaz de abrir a boca para dizer isto, para deixar que lhe saia uma coisa destas. Não vou aqui dar nenhuma aula de direito da família e portanto não vou avançar com a definição de impedimentos dirimentes absolutos ao casamento. Prefiro pôr as coisas noutro plano, mais apetecível a quem nunca abriu o livro IV do código civil português. Já nem a igreja católica faz redundar o casamento num prelúdio de procriação, portanto, o argumento das novas famílias aliado à encapotada discussão da adopção não pode ser o que leva o senhor deputado a abrir a boca. Honestamente, acho, e já aqui o disse, que não é pela lei que negamos a adopção a estes casais, portanto, para mim, se quisermos levar a questão ao limite, até constitucionalmente a solução que se mantém deixa muito a desejar e pode, sem grande esforço, estou em crer, cair por terra se nos decidirmos a arregaçar as mangas. Não o fizemos ainda por reconhecermos que a mudança de mentalidades não se dá por decreto e, se querem saber, acho avisado não o termos ainda feito. Mas, que fique claro, não é porque a lei isto ou aquilo. A lei está ao serviço do homem e não o contrário, estamos entendidos?! Deixando para trás esta questão da filiação adoptiva, que foi o senhor deputado que juntou, em amena confusão, à sua esquizofrénica equiparação, como se o cu tivesse a ver com as calças, passemos ao casamento. Também não me vou remeter ao óbvio e esclarecer que o casamento é uma fonte de relações jurídicas familiares que, nos casos todos que apresenta já existem por outra via, o parentesco, porque, enfim, em casos contados parentes podem casar. Esclareço o senhor deputado que primos podem casar entre si e, quando razões ponderosas o anunciem e se verifiquem determinadas formalidades, tios também podem casar com sobrinhas e tias com sobrinhos. Espante-se. Somos mesmo vanguardistas, já viu?! Mas não, pais ainda não podem casar com filhos e irmãos ainda não podem casar entre si. Quanto mais próximo for o laço de parentesco, maiores são os riscos de vicissitude genética que pode ajudar a fundamentar a solução. Mas depois há o resto. As relações afectivas que presidem às formas de construção de relações jurídicas familiares têm conteúdos muito próprios. E os vínculos próprios da filiação (conceito indeterminado presente na nossa lei amiúde), os vínculos próprios do relação fraterna e os vínculos próprios da conjugalidade são distintos. Querem-se distintos. Apetece-nos, no fundo. Foi, aliás, precisamente por isto que a decisão de condenação do casal de irmãos, alemão, de há meses, não me pareceu assim tão líquida. Porque aí os vínculos próprios da relação biológica não eram os mesmos que se haviam desenvolvido afectivamente, uma vez que não se conheciam antes de se apaixonarem. E, mais importante, porque entendo, sem transigir, que isto não é, não pode ser uma questão penal. É uma questão civil, de regulação da família, não é um crime. Mas enfim, não é desse caso que falamos aqui. Voltando: levando os argumentos ao absurdo, o que o senhor deputado anuncia é a escravatura de todos os referentes de família perante uma amplíssima ideia de autodeterminação. Não estaria mal, não fosse o pequeníssimo pormenor de termos evoluído em termos civilizacionais no sentido da regulação mínima da convivência entre pares. Sabe, senhor deputado, olho para tudo o que escrevi até agora e pondero apagar, porque quem não quiser perceber, sempre terá oportunidade de avançar um "Mas" ou um "E se", mais ou menos tão válidos como os "Porquês" das crianças de 3 anos. No fundo, o que me apetecia era mesmo desabafar. Desabafar a tristeza imensa que só posso ter quando, em nome de um preconceito um bocado alheado do que seja isso amar, alguém se dá ao trabalho de rebuscar conteúdos ao limite do absurdo. Podia ficar-me pela fineza de dizer-lhe que não é a mesma coisa. E, se calhar, dizia-lhe o mesmo que com tudo o que fica para trás, mas apetecia-me desabafar. E eu desabafo lentamente, preciso de muito espaço. Era isto. Para que lhe conste, não sou lésbica. Sabe, tenho até na minha vida uma história chata que mete uma dúvida aborrecida e que se não houvesse gajos gays ficava esclarecida e me dava descanso. Mas, acima de tudo, sabe, sou pelo amor, que eu cá, sou cor de rosa. E não, não vá por aí. Também não sou socialista. 

1 comentário:

  1. Eu cansei-me de opinar sobre a actualidade...e então este nem mereceu que eu abrisse a boca, tal é a profundidade do desprezo que sinto perante tais afirmações. Tenho dito.

    ResponderEliminar