Conheci bem Sintra (já lá tinha ido antes, mas sem guardar grandes memórias) em 1998. Passei uns dias na vila e rendi-me a ela. Ouvi, lembro-me bem, naquela altura, o senhor que conduzia a charrete dizer que, sem ser uma autarca perfeita, Edite Estrela tinha dado uma nova vida aos monumentos e ao centro histórico e que, pelo menos ali, naquele espaço central, se notavam importantes progressos e investimentos. Apaixonei-me por Sintra nessa altura. Voltei, com algum tempo, no verão de 2004 e acabei por contagiar a minha companheira de viagem pelo país, fazendo-a render-se, em doses semelhantes, a Coimbra e a Sintra. Nos últimos anos, por razões profissionais, voltei inúmeras vezes a Sintra, mas sempre para me enfiar numa sala ou auditório qualquer e ouvir e/ou falar durante horas a fio. Desde 2004, seguramente, que não ia à Piriquita ou me espaçava em qualquer recanto da minha Sintra. Até este fim de semana. Os planos eram os melhores, as expectativas estavam nos píncaros da minha vontade e imaginação. Era a cidade mais romântica do país para conhecer de mão dada com o amor e redescobrir pelos olhos curiosos dele. Escolhi o hotel mais badalado do momento nesta altura por aquelas bandas, por ser novo, por ser boutique, por ser central e mimimi pardais ao ninho. E vim desolada. Sintra, fora dos auditórios onde me tenho enfiado, como no Olga Cadaval, não melhorou nada. Parou num tempo lá atrás, impulsionada pelos anos de glória de 90 e estagnada pela crise que há muito se consolida nas contas das autarquias. Sintra está velha, está escura, está suja, está fria. A Pena está em obras e sem o glamour de outros tempos. A Vila deixa um dó na alma de tão pobrezinha em história, com as míticas chaminés a esfarelarem-se em tinta por ali abaixo cozinha adentro. Vê-se pouca gente, paga-se muito em todo o lado, não há flores viçosas, não se percebem quaisquer cuidados com a mata e há quem ache melhor a Piriquita II e esqueça a primeira, a original. O comércio tem muito pouco de tradicional e só com alguma condescendência pode dizer-se que há muito a separá-lo das lojas chinesas ou das velhinhas lojas dos trezentos. Chegámos a Sintra depois de um triste périplo por Galamares, tendo o GPS reconhecido uma rua igual na aldeia e optado por enviar-nos para cem metros depois do cu do mundo. Enfadonhos, os sentidos proibidos e obrigatórios, a escuridão da noite e o deserto das ruas numa hora em que o céu se desfazia em água, levaram-nos a um desespero tal que chegar ao hotel não foi uma alegria, foi um alívio. E aqui, esperava-se, começaria tudo de novo, para dois dias como folhas em branco. Mas o hotel, sendo novo e tendo alguns pormenores, não é só o que dizem, lindo e maravilhoso e tudo de bom. Fez-me lembrar as pessoas que de quererem ser tão clean se tornam aborrecidas. É branco. Tudo branco. Tudo pálido. Tudo, tudo, tudo, tudo, tudo asséptico. Sendo solícitos e empenhados, os empregados são demasiado jovens e inexperientes, com tendência para calinadas no português que muito podem bulir-me com os nervos. E tudo isto, assim junto, com um desequilíbrio mais que muito entre o que esperava ter e o que foi possível alcançar, faria deste fim de semana uma ruína imensa. Mas a vida também tem maus dias, maus fins de semana, más escolhas. E tudo isto faz agora parte não da minha, mas da nossa história. Só por isso, como carapaça que se engrossa, vale a pena. Porque enfim, estávamos juntos e agora sabemos que, tão depressa, não voltamos a Sintra.
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