sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Ataques de pânico

Talvez esteja na altura de voltar a falar deles aqui no blog. A bem dizer, tenho cá vindo contá-los quando acontecem, ou seja, quando estou no centro de turbilhão e sem a capacidade de distanciação suficiente para os ver com olhos mais atentos (aqui, aqui). Mas isto, seja lá isso o que for, parece-me serviço público. Não há mal nenhum em ter ataques de pânico. E esta é a primeira regra para não dar o tilt. Não estamos doidos, estamos a exigir demasiado de nós, só isso. Sempre fui muito perfeccionista, o que, inevitavelmente, traz consigo doses reforçadas de ansiedade. Tenho dificuldade em concluir um artigo, por exemplo, porque acho sempre que posso fazer melhor, tenho a nítida sensação que não sou má no que faço, mas sinto, frequentemente, que as pessoas esperam de mim mais do que posso dar, ou, dito de outro modo, é muito comum sentir que acham que sou melhor do que realmente sou. Costumo, sem falsas modéstias, dizer que não sou especialmente boa em nada, embora tenha optado por dedicar-me a áreas em que reconheço que também não sou uma nódoa. Pauto-me por critérios de normalidade e, aí, acho que cumpro o meu papel. Acontece que há alturas em que temos de mostrar competências reforçadas e uma capacidade de gestão do tempo e das tarefas que não se aprende sem mazelas. O meu ano é, como sabem, o ano lectivo. Por isso, não é de estranhar que em Maio, Junho, Julho, ande a dar as últimas. Começo a dormir mal, a comer pior, a ver o tempo esgotar-se e tanto ainda por fazer, a pensar nos mil projectos que terão de ficar adiados mais um ano, enfim... começo a ceder a um certo pessimismo que costuma trazer consigo uma ansiedade maior ainda. Tive o meu primeiro ataque de pânico em 2012. Aconteceu depois de um episódio de desmaio, numa fase em que alternava entre directas e noites com duas horas de sono e em que me debruçava sobre uma tarefa angustiante - corrigir pilhas de exames à noite, enquanto fazia dezenas de orais de dia. Nunca tinha sentido nada igual. A sensação é de morte iminente e, naquele momento, não vale a pena dizerem-nos que vai passar, simplesmente porque, é genuíno, sentimos que vamos morrer ali, em segundos. Quando dei entrada no hospital, o meu estado era de tal forma aflitivo que houve necessidade de me priorizarem e despistarem um enfarte. Estava incapaz de falar, com uma dor lancinante no peito, sem forças nos membros, uma tensão arterial altíssima e os batimentos cardíacos completamente alterados. Fizeram-me de tudo e concluíram que estavam perante o meu primeiro ataque de pânico. Não me medicaram, mas pediram-me que descansasse e abrandasse o ritmo. E eis-nos aqui chegados a uma das coisas mais difíceis de aceitar: não somos todos iguais e o facto de ao nosso lado haver alguém que faz o dobro, não significa que tenhamos de fazer também. Explico: estou rodeada de pessoas muito boas, com uma capacidade de trabalho impressionante e que, apesar disso, não têm episódios destes para contar. Paciência. Custou-me, mas tive de aceitar. Os meus limites são diferentes, a minha capacidade de lidar com o stress é menor. Nunca tive um ataque de ansiedade que não tenha sido provocado pelo trabalho, pela vida profissional. É o que me vale. Não tenho esqueletos no armário, venho de uma família com os seus problemas, mas em que vinga uma ternura imensa e onde, ao longo da vida, tenho sido muito mimada. Sou uma privilegiada. Tenho amigos presentes, a profissão que escolhi, algum reconhecimento profissional, a possibilidade de, vaidosa, poder dizer que já recusei convites que, para muita gente, seriam irrecusáveis. Vivo comodamente, numa casa com livros e música, cheia de miudezas que a tornam um ninho acolhedor para mim e para os meus. Não me falta nada que seja essencial. Gozo de uma saúde razoável e disponho dos meios suficientes para, de quando em vez, poder cumprir-me numa viagem ou num fim de semana de hotel. Janto fora, vou a concertos, posso ir ao cinema e sei que, se poupar um bocadinho, consigo ter alguns pequenos luxos mais adiante. Não sofri nenhum desgosto incorrigível, nem nada me vincou irreparavelmente a personalidade. Quando menos esperava, encontrei um príncipe. Portanto... tudo está bem. Não estou, apesar disso, livre de um novo ataque de pânico. Hoje, amanhã, daqui a um ano ou daqui a vinte. Este ano, quando, em Maio, voltei a trazer comigo todos os sinais, soube que, quando se tem o primeiro, nunca mais se está a salvo e eles podem repetir-se as vezes que entenderem. Em Maio, reconheci o momento mau que atravessava. Sentia a cabeça zonza, tinha insónias frequentes, olhava para a minha agenda e, quando vi, numa semana, quatro conferências, comecei a sentir a fraqueza das mãos e das pernas, a dor aguda no peito, o coração a mil, a respiração diferente. Tinha, uns dias antes, sentido que não estava muito bem quando, depois de uma outra conferência e antes do debate, tive de sair do auditório e ir vomitar para a casa de banho. Sobem-me uns nervos estranhos pelo corpo acima, ouço as pessoas muito longe, tenho medo de multidões e só quero que me deixem em paz, no escuro. Deixo de sorrir, amareleço e vou-me entristecendo porque, curiosamente, nunca perco a noção do que me está a acontecer e sei, por A mais B, que não quero estar  assim. Este ano, deixei de conseguir conduzir ou comer. Não comia, simplesmente não conseguia. Vivi umas duas semanas à base de leite e iogurtes. Um enjoo. Tinha um nó no peito e vontade de desaparecer e me enfiar em casa. Tive amigos muito ao pé, capazes de fazer quilómetros só porque sim. Tive a capacidade de, sozinha, um dia, ir para o hospital. Cheguei lá, registei-me, pedi que me vissem com urgência porque estava a meio de um ataque de pânico, mas era hipertensa em situações de stress e portanto precisava de ser medicada com urgência. Tinha a tensão a 18/11. Fui imediatamente atendida e, desta vez, vim com umas doses mínimas, mas medicação. Tenho-a cumprido escrupulosamente. Não vivo aterrorizada pela possibilidade de um ataque destes se repetir, mas não gosto dessas más fases. Prezo a minha liberdade e independência. Sou feliz a comandar a minha própria vida. Muito dona do meu nariz, envelheço quando, por alguma razão, deixo de ter pulso sobre mim e passo a depender de alguém para tarefas básicas do meu dia a dia. Desta vez, deram-me também um ansiolítico para SOS. Nunca o usei. Passadas umas semanas, já melhor, resolvi procurar a médica que me tinha atendido e esclarecê-la. Achei que devia dizer-lhe a verdade. E a verdade é que não estou deprimida, não tenho tendências suicidas, não entro em modo "oh que desgraçada sou, oh que triste vida a minha". Não. O que eu sinto é uma inquietação, uma raiva imensa por estar assim, como se se me afinassem o espírito crítico para comigo mesma e falta de paciência para fases cinzentas. Disse-lhe com todas as letras que não tenho vocação para desgraçada, que quero tudo menos uma vidinha, que nem nas horas piores me fica a faltar a vontade de fazer... e de fazer bem. O que me consome é essa coisa enervante de me tornar, momentaneamente, ainda mais incapaz de fazer bem... e sozinha. A médica sorriu. Pegou-me na mão e disse-me que bem tinha visto que não estava, logo no primeiro dia, perante um caso de depressão. Não. O que me acontece é isto, sem mais nem menos: entro num estado tal de ansiedade que crio resistências irracionais aos aspectos mais comuns da minha vida. Adoro sirigaitar e nessas fases o barulho e muita gente só me enervam. Dá-me vontade de desatar a distribuir lambada quando alguém me aluga tempo demais para questões menores. E, muito mau, passo a ter ainda menos filtro, uma paciência inversa à de Jo para mariquices e salamaleques. Sou pouco dada ao beija-mão, já de mim. Nessas alturas, então, sonho com a possibilidade de mandar pessoas à merda e tenho de me controlar muito para não desabafar. Enfim. E é isto. Agora, aqui, longe desses dias maus, sentada em casa, motivada para o trabalho, com uma agenda preenchida, mas cheia de alegria com isso, em vésperas de mais um aniversário do meu pai, em preparativos para uma festa em casa, só vos digo: os ataques de pânico são maus, são péssimos, são uma dor de alma, mas... não são o fim do mundo e, acreditem em mim, não podem ser, sequer, um fim para nós.

4 comentários:

  1. é bom ler um testemunho tão realista e tão sem filtro. Nunca tive nenhum ataque de pânico, mas sou consumida quase diariamente pela ansiedade e tenho medo de um dia ter um ataque desses. O problema disto tudo é achar que não se tem razões para que ta aconteça, pelo menos conscientemente achamos que está tudo bem quando na verdade há algo que simplesmente não está a funcionar como devia. e isso assusta, essa coisa de não saber o porquê, de se estar feliz mas mesmo assim isto acontecer (porque no teu caso sabes que é do trabalho, mas há pessoas que têm "sem razões" aparentes).

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  2. tive o meu primeiro ataque de pânico/ansiedade em maio de 2012... tb pensei que ia morrer! na altura não percebi como foi possível, mas agora tb entendo os sinais e, talvez por não serem tão "fortes" como os teus, consigo controlar (tenho conseguido) quando o coração começa a ficar descompassado e a respiração a "falhar"... mas depois só me apetece chorar, e acredita faço-o muitas vezes, longe dos olhares porque se não vão logo pensar que estou deprimida ou com um problema muito grave... não estou, mas às vezes o lufa-lufa do dia-a-dia deixa-nos mais arrasados que um tremor de terra, só que é lentamente, lá está, e só damos conta quase no limite...
    boa sorte! espero que não tenhas mais desses, assim como espero para mim!
    Alexandra

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  3. ah! e só para dizer que escreves maravilhosamente o que te vai na alma!
    Alexandra

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  4. Depois de muito a ler... revejo-me aqui... em tudo... em tanto!
    Tantas semelhanças de vida, de cidade, de espaços, de pânico!

    Nos últimos 2 meses tenho descoberto como voltar a caminhar depois um dos grandes que se aliou a muitas outras coisas do coração. Não é fácil, não tem sido fácil...é uma dor de alma, mas não é o fim!

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