É tão bom perceber que entre nós as quatro há coisas que nunca mudam, que há private jokes que continuamos todas a entender e nos fazem rir até nos doerem os abdominais que julgávamos irremediavelmente perdidos, que mantemos a capacidade de nos envergonharmos mutuamente quando vamos a um restaurante onde apenas uma é conhecida, que as novidades podem ser partilhadas com um ano de atraso (não é, A.?!) que, ainda assim, ninguém se aborrece... só quer mesmo é saber mais dos Ernestos da vida. Gosto muito. Também gostei de arranjar lugar para estacionar na alta da cidade depois de vir a casa buscar a capa de que me tinha esquecido, gostei de voltar às carteiras à tiracolo para andar no meio da multidão e de fazer o exercício que me permite não estar com pesos na consciência pela sobremesa, tudo porque fizemos, a pé, bem a meia maratona... e sempre a subir e a descer, à procura mais de um sítio onde se respirasse que propriamente da definição das pernas. É um plus, vá. Não gostei muito de ver que há gente que vai para a serenata fumar e falar da vida, que o silêncio, só por si, deixou de ter força para se impor a quem chega e que as pitas estão ainda mais parvas que no meu tempo. Posso aqui afirmar convicta: nunca fomos assim, pá. Gostávamos de brincar e rir, mas tínhamos limites. Destaco como frases da noite:
"Uou... é a professora! Olá professora! Olhem... oh pá, olhem, é a professora!" Nota: esta malta acha que eu não tenho uma vida própria, só pode!
"Os pretensos comunistas não deviam vir para aqui!" (dirigido à X., porque, por baixo da capa, tinha um casaco vermelho). Nota: não consegui perceber se a moça não sabe o que significa comunista ou simplesmente ignora o significado de pretenso. Enfim... também podia estar só a tentar ter piada e... ter-lhe saído mal a tirada.
"Achas bem conduzires a essa velocidade com uma magistrada ao lado?!
Acho. Estás com problemas?! Para a próxima vens a pé?!
Não. Para a próxima sento-me atrás!" Nota: tanta coisa, tanta coisa... mas compactua com a infractora.
"Acho sinceramente que devia haver uma bancada vip para gente sóbria.
Ah, claro. E atendendo a que somos tão poucos, até dava para estarmos sentados."
"Então boa noite!
Era.
Ohhh... Chamas-te Era?! Mas isso é uma cena que vende casas!
Oh pá, a sério... vai para casa mudar a fralda!" Nota: continuam a meter-se connosco. Rapazes, já fizemos todas 30 anos, temos cabelos brancos e já usamos cremes anti rugas!!!
"C#%&€@o, f@‰£-se esta gente que me está a apertar por todos os lados!" Nota: há palavras que toda a gente sabe mas a que, no dia a dia, não dá grande uso. Guarda-as para... situações de aperto. Nós, pelo menos, guardamos.
"E aquela vez em que o João Marcos se fez a ti descaradamente?!
Oi?! O João Marcos fez-se a mim?!
Fogo, R. Não te lembras?! Só que nós, tontinhas na altura, começámos a ver o caso mal parado e trouxemos-te para casa.
Não posso crer. Vocês limitaram a minha criatividade com o João Marcos?! Não posso. Não me lembro nada disso.
(2 horas depois)
Têm a certeza que o João Marcos se fez a mim?!
Siiiiimmm!!!
Até estou com o ego em alta! O João Marcos?! Sim senhora! Sou espectacular e não sabia!!!"
"Oh Dra., olá! Já vai para cima?! Não fica para a serenata?!
Como assim?!
Ohhh... não me diga que já começou?!
Oh rapariga, a serenata começa à meia noite. Já viu as horas?! Está a acabar.
Ahhh... Não posso! Não os ouvia tocar!" Nota: como é que se chega ao 3.º ano a achar que a serenata não tem hora para começar?!
E pronto... Depois viemos todas para casa, elas foram dormir e eu vim rever cenas até meio da madrugada. E agora pequeno almoçámos todas juntinhas, com solene protesto de, na próxima, haver scones quentinhos. Daqui a nada mudo as coisas da carteira de tiracolo, ponho os jeans a lavar, peço à S. que me deixe o cabelo lambido, visto-me de senhora e vou para a minha outra cidade tentar convencer as pessoas grandes que sou como elas. Apesar dos apertos e de não ter ouvido grande coisa, oito anos depois voltei à serenata. E foi bonito!
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