Uma das principais diferenças entre os homens e as mulheres, para mim, é a falta de treino deles para falarem de si próprios. A sério. Acho que é mesmo uma questão de treino. E eles não treinam isso. Nós falamos muito de nós, não temos grandes dramas psicológicos por partilhar o lado mais negro ou menos bonito da nossa vida com as amigas. Não o fazemos com meio mundo, bem vistas as coisas, mas repetimos os nossos dramas vezes sem conta, cheios de pormenores, à mesma amiga, meses a fio se for preciso. Dissecamos os assuntos, ensimesmamo-nos neles e queremos entendê-los (estou a falar dos assuntos... embora o mesmo se aplique aos homens, vá). Dou por mim às vezes com as ideias todas a atropelarem-se na minha cabeça e não é brincadeira se vos disser que já me apeteceu fazer esquemas para ver se entendia melhor o emaranhado de prós e contras de uma ou outra situação. Nós falamos do tempo, da colega de trabalho, do bule novo que comprámos para servir o chá em casa, das colecções das lojas, dos livros que andamos a ler, dos sítios onde mais nos dói a depilação, de como nunca mais esquecemos a vez em que fulano nos dedicou um poema, da saúde dos pais, da avaria do carro do tio, da conta poupança da prima, de tudo. Mas também falamos de nós, do que nos vai na alma, adentro o coração, pronto. Escancaramos a porta dos sentires e somos capazes de, na mesma conversa, ter momentos de pranto doído e riso descontrolado. É isso que nos liga às outras mulheres (no meu caso, também faço isto com o G., mas concedo que seja uma excepção). Nós treinamos, portanto, falar do eu, tanto ou mais que da circunstância. Eles não. Eles podem ser calados por natureza e pronto, emburram para ali e não há nada a fazer. É um tipo. Mas nem é desse que agora me ocupo. Monos não fazem o meu género. Ocupo-me mais de um outro género, nem mono, nem bobo, mas porventura também enervante. Fala de tudo, de futebol, de sexo, de filmes, de livros, de músicas, de viagens, de museus, da profissão, dos colegas, da mãe, do pai, da avó, da irmã, do irmão, dos sobrinhos, dos tios, do piriquito, da empregada, do homem do condomínio, do fato da neve, do jornal de há quinze dias, dos escuteiros de quando era puto, da consulta do dermatologista, mas não fala dele. Pior, por falar de tudo aquilo, convence-se e quer convencer-nos que nos fala imenso da sua vida. E, por aí, de si. Ora, nada é mais falso. Eu posso saber a cor dos boxers que o homem traz vestidos e saber com que idade lhe caiu o primeiro dente de leite e, ainda assim, ter toda a ignorância do mundo acerca do eu que é ele, do que lhe vai por ali adentro nos sentires e nos quereres que não se compram. Este tipo enerva-me. É o tipo que amua se depois de três horas a falar de física quântica ou migração de andorinhas nós lhe pedimos que fale de si. Amua. Cala-se. Faz-se de morto. Já achei mesmo que, lá bem no fundo, não lhe era assim importante, me ignorava, que nos tinha aos dois juntos em tão fraca conta que não estava para me falar de si. Depois repetiu-me uma quinhentas vezes que é muito da sua circunstância e que só sendo distraída não percebia que ao falar-me dela me falava, também, muito, dele. E deixei-o ficar com a bicicleta. Mas enerva-me. Não é o único. Ao que parece. Temos a vida povoada de gente assim avessa a escancarar-se. É uma chatice. E podia tão bem resolver-se. Bastava treinarem. Mais que não fosse, um bocadinho, cada um, com a mulher que escolhem para falar do resto.
O título diz tudo São diferentes e pronto!
ResponderEliminarTambém se pode treinar sozinho, pois os que não o fazem, podem não o compreender ;)
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