E um dia a pessoa acorda e percebe que o Mundo ruiu. Não ruiu de sumir. Não. Pior que isso, o Mundo ruiu só para ela. No mais, tudo permanece igual, ou melhor ainda. Subitamente, parece que adormeceu há muitos dias e se esqueceram de a acordar, demasiado envolvidos, todos, nas suas vidas, nas suas correrias, nos seus jantares, almoços, lanches, pic-nics, nas suas noites de televisão, consola, cinema, leitura, sexo, bebedeira ou solidão. Um dia, assim de repente, a pessoa acorda e a vida virou-se-lhe do avesso. Uma vida com coisas boas, coisas assim assim e coisas más, mas que era sua. Uma vida onde conhecia os cantos à casa, onde muito poucas coisas eram inesperadas, imprevisíveis. Uma vida com tudo sonhado, tudo planeado, tudo acertado. Uma vida feita lego, onde em cada mágoa se encaixaria um momento melhor, onde a cada esforço competiria sua recompensa, a cada grito sua cura, a cada briga seu momento de paz. Tudo assim perfeitinho, idealizadinho, sonhadinho. Tudo impecavelmente preparado para os receber, para os acomodar, para os fazer tão, tão, tão, tão, tão felizes como se é feliz nas vidas sonhadas à medida. Um dia a pessoa veste-se a rigor, perfuma os pulsos e os recantos do pescoço, diz-lhe que feche os olhos e faz "TCHARAMMMMM". E assim lhe escancara as portas da vida. E o outro, educado, agradece. E declina o convite para se lhe juntar. E tosse, uma tosse seca, como quem perdeu o piu. E mexe ambas as mãos, explicando, pausadamente, que, está tudo muito bonito, irrepreensível, diria mesmo, mas não; que é verdade que ama aquele combinado confortável das cores, texturas e aromas, mas não; que pois, a música é perfeita, mas não; que a gosta muito... mas... não. E vira costas. Feito vítima, enganado, injustificadamente exigido. Vira costas e anda, sem olhar para trás. Dá as costas, que isto não tem outro nome. E para ali fica a pessoa, cheia de buzinas no cérebro e convulsões dentro do peito, caindo repetidas vezes no abismo enquanto se mantém de pé. Rosa dos ventos ignorada, ali fica a pessoa, agarrada a si própria, beliscando-se, incrédula. Murcha, sem lágrimas que a reguem, sequer. Imóvel. Quantas vezes, já depois, aninhada num canto como um bicho assustado. Pronta, ainda assim, para não se defender. Fica ali. Pergunta-se repetidamente porquê? e ouve em eco a resposta porquê?. Assustador. Invadida de muitas coisas, desmonta tudo, cada peça do cenário. Embala pratas, acomoda cristais, dobra linhos. Desalmadamente, agarrada a eles, um rio que lhe nasce nas meninas dos olhos. E fecha a porta atrás de si. É uma dor que dói de muitas maneiras.
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