Ontem, e porque estava em ponto ebulição, lá convenci o G. a ir comigo à estação. Vá, não foi por isso. Foi porque calhou de me lembrar que tinha de ir à estação pouco depois de lhe ter dito que lhe dava boleia. Deu muito jeito, porque aquilo estava impossível. Quase que se tinha de ir deixar o carro à Mealhada para poder ir à bilheteira. Portanto, deu jeito, porque assim ele ficou no carro e andou a dar voltinhas para não sair muito dali de perto. Fez-me muitas recomendações por causa do bilhete e eu sou uma rapariga que faz o que lhe mandam (quase sempre). Vai daí, toda eu era uma enciclopédia dos direitos dos passageiros quando me abeirei do balcão. E expus, com uma linguagem até um bocadinho técnica, o que se estava a passar, mais ou menos como aquelas pessoas que gostam de se ouvir. Foi bonito. Em geral e abstracto, teria dado para puxar salvas de palmas inflamadas e gritos de "Pequena R. ao poder!". Acontece, meus caros, que a realidade é uma coisa que, de tempos a tempos, gosta de te esfregar na cara que podes falar muito e mimimi, mas isso não interessa nada, porque o que conta, quem tem o verdadeiro poder, é essa coisa a que se dá o nome de improvável. Pois que anunciei ao senhor que, pela sua saúde, me mantivesse livre de alfas, ou corríamos todos o risco de eu sair de Santa Apolónia directamente para o hospital, com sintomas agravados de expulsão dos vários órgãos internos pela boca. E assim sendo, então, que me permitisse perguntar-lhe se o comboio xpto se fazia à hora ywsz. Que sim. Que os serviços mínimos o asseguravam. Rejubilei de alegria e dei graças ao alto por ter um amigo tão conhecedor das fórmulas mágicas de persuasão, do tipo, "se estiver previsto e me venderem o bilhete, não podem considerar o evento anómalo e, portanto, há direito a devolução e reclamação". Estava tudo até aqui medianamente encaminhado quando o homem se me põe a escrevinhar o bilhete todo. Tenho ali na carteira uma fiel reprodução do Tratado de Tordesilhas escrita a caneta bic azul. Impaciente, questionei-o sobre o relambório. Que aguardasse. E eu aguardei. Quando finalmente paguei e, acto contínuo, me põe o bilhete na mão, o senhor esclarece, do alto da sua sapiência descoberta na escola da vida "Os serviços mínimos garantem, mas eu não garanto. É pouco provável que não se realize, mas tudo é possível, a vida é uma surpresa!". Enfiei a minha viola no saco e vim-me embora. À simples equação: "se te venderem o bilhete, têm de fazer a ligação; se não a puderem garantir, não vão vender o bilhete", respondi com algum desalento, uma pitada de esperança e o saber de experiências feito reduzido numa citação das que ficam no ouvido "a vida é uma surpresa". E portanto, da greve, hoje, não me interessam tanto os números da adesão. Importante, importante, é saber qual a surpresa que a greve tem para mim. Então, até depois, sim?!
E eu adoro surpresas! :D
ResponderEliminarviagensnomeucaderno.blogspot.com
Que amoroso o senhor! Já deve ter ouvido a mesma conversa de outras pessoas e lá deu o lamiré do alto da sua sabedoria popular.
ResponderEliminar(Como no dia em que, depois de multada, o polícia me diz «é a vida!» e eu respondo, para não ficar atrás «que todos os males sejam estes, haja saudinha!»)