quinta-feira, 6 de março de 2014

Não gosto de estar longe

Não me importo (muito) de estar longe fisicamente. Sei que é temporário, sei que tem de ser, sei que é o que menos importa. O que me assusta é pensar em ficar longe do coração de alguém, deixar de lhe  bater forte lá dentro, como diria a outra. Não gosto nem de pensar, enxoto o pensamento para longe. As certezas das horas boas, em que se garante sem regateio que a falta que alguém nos faz não se deve a qualquer solidão mas ao tanto que nos enche o peito, ah... gosto delas ditas e repetidas, como se o gostar não se gastasse ou cansasse a renovar votos. Não me canso nem faço deles letra morta por uso aleatório. Digo-o sempre muito sentidamente, do fundo do coração e com as mãos a suarem frio. Não é cá paixão, que agora dizem durar possivelmente três anos, é uma coisa toda diversa para que ainda não arranjei nome novo e me obrigo, encantada, a render à nomenclatura amor. Do que eu sinto falta não é de companhia, mas daquela companhia. Não porque ache que se pode fazer tudo e mais alguma coisa (continuo a achar a escatologia uma coisa do domínio da pessoa e só dela), mas porque o mundo anda melhor e os relógios sem acertam em horas menos forçadas quando tudo está bem. E, para tudo estar bem, não preciso ter a certeza que o outro está aqui à beira, mas preciso muito de continuar segura que lhe moro no peito sem ses. As relações heterossexuais têm uma coisa que as outras não conhecem e que as torna mais difíceis e, talvez por isso, mais desafiantes intra muros (lá fora, é outra coisa): os homens e as mulheres são mesmo muito diferentes. Há-de haver malta a excepcionar a regra, mas conta-se em números rápidos. Falo do que conheço. Gosto de falar e de esgotar o assunto reduzindo-o a uma ninharia fatigada, demasiado gasta para que volte a olhar para ele. Os homens, o meu, pelo menos, preferem o silêncio reflexivo de quem, cheio de introspecções, digere a sós os nós da vida. Isolam-se, vão embora, viram costas, respiram fundo. Quando nos amam (acho mesmo que é sinal disso, não me estraguem o castelo) despedem-se com modos e acrescentam que a hora má não tem sequer a ver connosco. Mas vão. E demoram a vir como dantes, por mais que lhe afiancemos que já passou, que já lá vai. Demoram-se a chegar sorrindo com o corpo todo e mais ainda a fazer vozes de aves em declarações de amor. Por mais que lhe ronronemos ao ouvido, empenhadas muito em ser felizes, fecham as caras. E é nessas horas que o que sobra é não estar longe do peito, continuar aninhada no ventrículo mais confortável e sossegar a espera. 

3 comentários:

  1. este texto parece-me tão familiar que acho tive um desses longe demasiado tempo (perdida nessas constatações/justificações), ainda estou a recuperar da inquietação que foi apesar das ultimas horas perto... (agora) mais perto até...

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  2. Wow! Brilhante descrição!subscrevo e deixo-te apenas um acréscimo:
    Os homens têm um tempo e um espaço diferente do nosso. Demoram bem mais a gerir e a digerir os acontecimentos, mas lá vão. A nós, de emoção bem mais madura e desenvolvida, resta-nos esperar pacientemente. Isto é amor.

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  3. Desculpa, mas apaixonei-me pela tua escrita.

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