Ontem estive numa reunião informal que me estendeu as lutas profissionais fora de casa até às nove horas da noite. Ali a meio caminho da discussão, e porque infelizmente às vezes lidamos com as mais miseráveis fragilidades do ser humano, alguém dizia "A R. tem de convencer-se que nós trabalhamos na super estrutura. Estamos cá em cima, mexemos uns cordelinhos e tentamos arrumar as coisas, mas nem devemos olhar muito para baixo, porque enlouquecemos. A porcaria continua lá toda." E eu fiquei a pensar naquilo. Embora saiba que não posso levantar-me um dia de manhã e começar no Minho e acabar no Algarve, passando pelas ilhas, a arrumar isto, a meter os maus na cadeia, a dar pais aos filhos, a acabar com a fome, a limpar o ranho às crianças ranhosas, a recuperar as casas velhas, a tapar os buracos das estradas, a aparar as ervas dos pousios, a reflorestar as áreas ardidas, a fazer casas térreas para quem anda em cadeira de rodas, a pôr altifalantes nos postes que soem músicas alegres todo o dia, a dar trabalho aos desempregados, encomendas às indústrias, justa compensação aos agricultores e pescadores, água e ração de qualidade aos pecuaristas, tecidos nobres aos estilistas e tecnologia de ponta aos cientistas, educação aos turistas e sei lá mais o quê, fiquei a pensar naquilo. Vivo na super estrutura. Trabalho na super estrutura. A porcaria fica toda na mesma, só em montes mais simétricos. Continuo a pensar naquilo. E na vontade insana de berrar que a porcaria não há meio de sumir, de me indignar, de me revoltar, de sair à rua, de atear fogos e rasgar o vestido na luta. Ou então, de me aninhar num canto desta minha casa arrumada e cheirosa e desatar a chorar. É que não me conformo com aquilo.
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