Antes do B., tudo o que sabia sobre o amor era, afinal, muito pouco testado by myself. Conhecia o amor incondicional por um irmão preferido, pela mãe melhor de todas, a mais galinha, pelo pai mais babado e mimento, pela avó mais matriarca, pelos amigos mais dedicados, mas não podia, pela falta de experiência feita, pela fraca mão em amores acontecidos com vontades coincidentes, opinar muito sobre o ser e o estar numa relação a dois. Vivera, até aí, paixões fulminantes e serenos momentos de descoberta de sentires profundos, mas andava sozinha à cata de um sentido para o meu amor. Talvez por isso, e para me desonerar dos fracassos, acreditava muito que o amor simplesmente acontecia. Havia, numa galáxia longínqua, afinamentos múltiplos com efeito automático nos corações terrestres e que encaminhavam, sem margem para desencontros, pessoas destinadas a ficarem juntas. Para mim, testemunha de histórias longas de amor, o amor era muito uma questão de sorte. E eu, enfim, ainda não tinha tido a sorte. Depois o B. apareceu e eu comecei a descobrir imensas coisas todos os dias. Algumas, confesso, suficientemente perturbadoras para uma ou duas vezes lhe ter dito que, naquele preciso momento, queria mesmo estar com ele mas não sentia dores na barriga, como se me denunciasse assim ao meu homem. Que trapaceira me parecia a vida, logo agora que o encontrara, cheio das múltiplas características que há uma vida eu procurava e que, ao mesmo tempo, me punha a calma na barriga, logo ali onde era suposto sentir tripas a revolver e borboletas a fazer cócegas. O B. foi, a vagar, tentando dar-me a mão nessa descoberta a dois de que o amor, enfim, podendo acontecer, não vinga se não for cuidado, regado, estimado, conversado e cultivado em silêncios bons, profundamente querido por ambos. Hoje, reparem, acho que, muito mais que acontecer, o amor tem de ser criado, como a um filho, por quem ama. O amor, acho eu, mas posso continuar enganada, não acontece afinal como raio a atingir-nos sem remédio. Antes se constrói na certeza de que as borboletas passam e o que fica e é bom é a vontade de ficar junto, só porque sim, a cozinhar as banalidades de uma vida cheia de coisas normais. O amor acontece aos bocadinhos, mas só cresce se quisermos muito que ele cresça. Porque, quer-me cá parecer, o amor não é coisa que se compadeça com quem, por vê-lo acontecer, adormece à sombra da bananeira. O amor está nos detalhes, no conserto do momento menos bom, na partilha diária das coisas felizes e das outras todas, que hão-de ser muitas. O amor, pelo menos o meu, é um projecto para a vida. Um daqueles em que se acredita muito, com o coração todo, e que, por via disso, tem de dar certo.
E às vezes, quando não estás à espera, ao fim de anos e anos, os momentos "borboletas na barriga" continuam a acontecer. Uma mesma pessoa pode continuar a surpreender-nos a vida inteirinha mas, tens razão, depende muito de nós.
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;) Acho que me vai acontecer!!! Como quando me embeveço ao vê-lo acordar :)
Eliminarsoube-me bem ler, e vai servir para ir ali reflectir... não de uma assentada, mas calmamente... Obrigada pela partilha de algo tão íntimo...
ResponderEliminarConcordo que o amor tem que ser cultivado, regado, adubado...etc. Mas, às vezes, nasce de uma sementinha que aterra vinda com um vento forte e inesperado.
ResponderEliminarQuando menos se espera :)
Eliminar" O amor é um projecto para a vida"-senão não seria amor mas outra coisa qualquer.
ResponderEliminarerva doce
Mais um texto magnífico, cheio de emoção! Adorei, vou "levar" a imagem e a ideia que partilho de que ao amor não lhe basta amar... é preciso cuidar!
ResponderEliminarBeijinhos,
Mónica
Brilhante!
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