quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Da amizade do fundo do coração

Tenho alguma dificuldade em lidar com as pessoas que nunca estão bem. É frequente que o estado mal amanhado em que a pessoa constantemente se encontra me contamine e eu própria deixe de conseguir estar bem. Em rigor, a vida vai-me convencendo que não é fácil, e portanto não devemos fazer disso um objectivo de vida, estar sempre bem, mas, bolas, estar sempre mal, sempre, nunca ver a porra da luz?!?!?! Sou daquelas a quem a felicidade bate à porta em doses frequentemente generosas e às vezes moderadamente. Tenho os meus dias maus, as minhas horas difíceis, os problemas a que ninguém escapa e os momentos em que uma mão gigante feita de angústia me envolve o coração e o faz mirrar até quase se sumir de medo. Tenho medo das perdas. As que tive foram mesmo difíceis, principalmente a do meu David e a da Lurdes. A do meu David porque foi a melhor pessoa que algum dia conheci e a da Lurdes porque doeu muito ver o sofrimento dos filhos, órfãos, mais que de uma mãe, durante demasiado tempo órfãos de qualquer esperança. Ontem, nasceu a Maria. A Maria é a segunda neta que a Lurdes não conhece. Se for como o irmão, será uma criança tão especial que é difícil não acreditar que há ensinamentos da Lurdes que lhes passam durante o sono. São tesouros. E os tesouros, assim em forma de gente, dão esperança. A Sandra, que é a filha da Lurdes, tinha todas, mas todas, mas é que não estão bem a ver, todas as razões para ser uma pessoa que não estivesse bem. Em vez disso, tem sempre a melhor palavra para os amigos e conserva a serenidade da mãe que a terá ensinado a aceitar o que não pode mudar e a fazer disso uma coisa o melhor possível. A Sandra diz que é abençoada, contenta-se com o que a vida lhe dá e cultiva uma gratidão que já não se vê. Já a vi chorar muitas vezes, mas, por incrível que pareça, já a vi rir muitas mais. Tem a paciência de quem já sofreu dores muito más e sabe que se pode sobreviver a elas e a ternura de quem luta todos os dias por acreditar que a vida, cada dia dela, é uma dádiva tão valiosa que não se pode desperdiçar em lamúrias. As pessoas que não estão bem podiam fazer workshops com ela. Eu própria, quando me dá para ficar pior, lembro-me mais de lhe telefonar e espaço menos os nossos encontros. Aprendo sempre a relativizar, trago sempre uma lição actualizada de como acordar melhor no dia seguinte.

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