terça-feira, 16 de agosto de 2016

Sucesso

Sou muito exigente comigo. Tenho por hábito sê-lo em tudo. Busco, incessantemente, a perfeição nas arrumações das gavetas, nas juntas de azulejo que esfrego, nos panos que passo nas carteiras nas mudanças da estação, nos vincos das calças dos fatos do meu marido, na maneira como desenformo os bolos, na esquadria dos tapetes de casa, na dobra do lençol, no tamanho das flores frescas dos casos, nas pilhas ordenadas dos livros à espera de serem lidos, nos sublinhados dos artigos que já conheço, nos bicos dos lápis afiados, nas dobras das toalhas limpas da casa de banho, na disposição dos colares que pendurei numa parede, nos frascos de champô e condicionador que exibo ao fundo da nossa banheira, na maneira como espalho o creme nas pernas, no corte das cutículas, no risco ao meio, enfim. Por isso, não ter a nota máxima numa coisa como o doutoramento deu-me a sensação de ter feito uma cadeira com dez. E, pior, de merecer pouco os muitos mimos e parabéns que ainda me chegam. Passou mais de um mês e continuo a ter pesadelos com aquele dia. O pior da minha vida até hoje. Ponho-me tanto em causa desde esse dia que sinto que aquela tarde me arruinou boa parte da auto estima. É certo que está feito. É certo que, não tenho tido nota máxima, também não me fiquei por uma passagem à rasca. É certo que o que mais há para aí é quem tenha menos. É certo que o fiz aos 34 anos e há muito quem o faça aos 50. Mas eu não quero saber dos outros. Quero saber de mim. Do que eu podia, ou melhor, devia ter feito melhor. Como se nunca me tivesse permitido ser menos do que a melhor em quase tudo o que me meto. Se é certo que continuo a achar que o melhor é a normalidade, que os despiques assim levados a este extremo prejudicam mais que ajudam, a verdade é que eu não concorro com ninguém, mas me habituei a superar-me a mim mesma. Não está a ser fácil. Está até, digo-vos, a ser um bocado difícil. Falhar é uma coisa do caracinhas.

1 comentário:

  1. "Pequena R." só te conheço de te ler... e percebo como te sentes!
    Mas espero "ajudar" a que te sintas melhor quando digo (ok escrevo) que, apesar de não estares feliz com a nota do doutoramento, acho que deves estar muito feliz porque acho que deves ser uma pessoa 5*! Não vens cá com tretas, dizes o que te vai na alma. E, embora possas estar triste, é sempre tão bonito o que escreves!
    Muitos parabéns (também pelo doutoramento)!
    Alex

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