quinta-feira, 30 de abril de 2015
quarta-feira, 15 de abril de 2015
Poemário essencial
Amor como em casa
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina
terça-feira, 14 de abril de 2015
Dos laços que se desatam e dos botões que caem
Não sei se já vos aconteceu comprarem por exemplo um par de sapatos lindo de morrer, com um lacinho perfeitinho em cima e que um dia, sem que nada o fizesse prever, calcado por alguém ou puído pelo tempo, simplesmente se desata. A mim acontece-me muito. Regra geral, o primeiro sentimento vai no sentido de que o laço nunca mais será como dantes, nunca mais será o original, aquele que nos fez apaixonar pelos sapatos e abdicar de qualquer coisa para poder levá-los para casa. Com o tempo, e porque adoramos os sapatos, sentamo-nos pacientemente e treinamos laços novos, a ver se algum se ajeita como deve ao topo dos nossos sapatos. Raramente acertamos à primeira, ou porque as orelhas não ficam simétricas ou porque o fio de seda ou de pele encarquilha e teima em não parecer já tão bem. Às vezes, no entanto, lá conseguimos. E damos um laço mesmo parecido com o primeiro. Só nós, naquele momento, e porque assistimos a tudo, podemos dizer que este novo não veio de fábrica. Nessas situações, ainda a medo que o laço se desfaça novamente, costumo dá-lo com mais precisão e garantir que não me esqueço de, por cima, lhe dar ainda um nó. Um nó cego, à prova de encontrões e do tempo. Acontece-me o mesmo com os botões. Muitas vezes, lá da loja onde raio cosem os botões agora, nem dão uma laçada no fim e aquilo mal uma pessoa começa a levar a peça à máquina e sujeitá-la a mais reviravoltas e é ver as linhas a crescer para fora do botão. Um dia, inevitavelmente, ou o botão cai (às vezes até se perde) ou, cansados de andar de mansinho para não abanar o botão, uma pessoa decide mesmo é puxá-lo. Também nesses casos, muitas vezes, o problema está para vir. Pelo menos eu, quase nunca encontro uma linha exactamente do mesmo tom para coser o botão que caiu. Regra geral, então uma pessoa procura uma linha que se aproxime e cose o botão o melhor que pode. Assegura-se que a camisa ou o vestido ou as calças hão-de acabar por ficar rotas, mas aquele botão, aquele botão não há-de voltar a cair. Como sou uma perfeccionista, no entanto, nunca me fico por aí. Acabo por cortar as linhas dos outros botões todos e coser um a um, com a linha nova, com as voltas todas que me parecem assegurar que não mais ficarei apeada. Dar os laços com nós cegos por cima e coser os botões com tantas voltas que eles se encavalitam em linha, leva tempo e carece de alguma disponibilidade mental. Tem valido a pena. Daí em diante, quase nunca me volto a lembrar que o laço não veio de fábrica e a linha era de outra cor. Há um dia em que o laço que eu dou até me parece melhor e a linha nova que escolho mais acertada. Mas preciso de me sentar, respirar fundo e deitar mãos à obra. Leva tempo. Não sei como é convosco.
segunda-feira, 13 de abril de 2015
quinta-feira, 9 de abril de 2015
Eu seja cadela
se vejo aqui algum vestido azul e preto.
Deixei amainar a discussão e vim agora contar-vos que nunca consegui ver onde raio está o vestido azul e preto. Olhei para as três fotos vezes sem conta. Vejo SEMPRE branco e dourado. Lá em casa, sou a única. No fundo... embora toda a gente, menos o meu irmão, use óculos, só eu é que sofro das vistas.
Flor de laranjeira
Adoro o cheiro da flor de laranjeira. Hoje, estacionei o carro junto a um pequeno laranjal. Até me começou melhor o dia.
É a mais pura das verdades
Tenho imensas saudades de dar Direito da Família. Tantas saudades. Era tão feliz a dar aulas de Direito da Família.
terça-feira, 7 de abril de 2015
Da minha avó
Já várias vezes tinha pensado nisso de como o facto de o blog ser conhecido de algumas pessoas que me conhecem me coarcta a liberdade de escrever. Por estes dias, o pensamento voltou a rondar-me e mantive-me calada em busca do lugar onde ninguém me conhecesse e eu pudesse dizer tudo, escrever sobre tudo. A sensatez que vem com o tempo pôs-me os pontos nos is e mostrou-me que ninguém vive sem passado, que todos temos o nosso, e que eu não serei a única a ter coisas que me apetece gritar ao mundo mas que o bom senso manda recolher ao peito. Por isso, não vos escrevo sobre a Páscoa, nem sobre os sentimentos com que a vivi, nem sobre a maneira como tenho dormido, ou acordado, ou comido, nem sobre o esforço que tem sido manter-me de pé, cara alegre que o Mundo não tem culpa. Por isso, hoje escrevo para vos recordar de um tempo em que prometia pegar nas histórias da minha avó e transformá-las num legado para os Homens. É uma pena haver quem não a aproveite. É uma delícia, a minha avó. Por isso, hoje conto-vos a saga da D. Rosa em busca do falecido Manel da Fruta.
Chegou certo dia da semana passada, à casa humilde dos meus avós, a cachopa Noémia com a má notícia. A cachopa Noémia, com os seus oitenta e muitos, comunicava solene à amiga Rosa que o rebate do sino se dera minutos antes por ocasião do falecimento do Manel da Fruta. D. Rosa, muito expedita, abeirou-se do marido que o cansaço dos anos vai afastando, todos os dias, um bocadinho mais de nós, e ter-lhe-á dito "Morreu o tê primo Manel da Fruta. Ficas aqui em casa um pouco, que eu cá, tem lá paciência, não posso passar sem ir dar os sentimentos à Maria Candongueira e encomendar ó menos um ramo." D. Rosa alça-se então na sua bicicleta eléctrica, o meio de transporte que mais usa desde que há um ano, ao marido com 94 anos, um AVC obrigou, finalmente, a deixar de conduzir. E pôs-se a caminho. Do Monte ao Porto não distam três quilómetros e D. Rosa assapa que é uma beleza, passando por cima de toda a folha. Conta-nos, olhos nos olhos para que ninguém a duvide, que ao dar a curva do Dr. indiano viu ao alto, mesmo ao indireito da casa do Manel, duas mulheres. E que se lhe enegreceu ainda mais o coração, enquanto sussurrava para si "Morreu mesmo. Já se lá junta gente!". Prosseguindo o trajecto, as duas mulheres que lhe fazem paragem acabam, porém, por começar a baralhar a história. Ambas vizinhas, ainda em camisa de dormir e robe por cima, perguntam a D. Rosa o que faz por ali. D. Rosa encara com uma e diz-lhe em espanto "Tu nem vais acreditar. Eu vinha aqui dar-te os sentimentos p'lo teu home, que foi agora a Noémia à minha casa dar-me a triste notícia de ter morrido o Manel da Fruta. E eu cá Manel da Fruta só conheço o teu. " O espanto que a situação causará no leitor há-de no entanto aumentar agora que lhe afianço que Maria Candongueira se abraçou à D. Rosa e lhe disse "Por hoje, ainda não! Olhe ali o meu homem a apanhar sol no jardim. Mas obrigadinha pelo respeito, Ti Rosa. Ai que grande amizade você me mostrou hoje, vejam lá vocês bem. Muitos beijinhos." O mistério do Manel da Fruta permanecia e D. Rosa, compreenderá quem a conhece, não leva dúvidas para casa. Vinha a curvada anciã no caminho de volta e, um pouco mais adiante do alçado da capela, encontra o Ferro com o menino mai novo pela mão. Afrouxa a bicicleta e pergunta-lhe quem morreu, que o sino tocou não há muito. É o Ferro quem lhe diz, "Olhe, o sê primo. O Manel da Fruta." D. Rosa acaba a ripostar "Tem paciência, mas não foi. De ver se dava os sentimentos à Maria Candongueira venho eu e o Manel estava no jardim, todo luzidio, a apanhar sol." A tristeza do primo morto dá lugar a uma certa estupefacção, à mistura com desvelo pela importância de chegar a casa com notícias frescas. É porém outra vizinha, já mesmo ao sarrente do portão, que lhe diz que Manel da Fruta morrera. Era outro. De bem mais longe e que nem do tempo das feiras ela conhece. "Nem lá fui dar uma palavra à família. E olhem, nem um ramo pus ao defunto. Que é um grande respeito que uma pessoa dá, mas eu não os conhecia. Tenho-lhe rezado pela alma... lá isso tenho".
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